Em entrevista, a economista Leda Paulani também sugeriu protagonismo de Lula na escolha de Levy para a Fazenda: "acho que se arrependeu um pouco".
Luccas Gissoni
“Quando você só fala no resultado nominal, você está escondendo coisas.
Isto impede a comparação entre os gastos com juros e os gastos
previdenciários ou destinados a programas como o FIES e o
Bolsa-Família, por exemplo. Gasta-se com juros pelo menos 20 vezes mais
que com o Bolsa-Família. Esse tipo de comparação fica escondida do
debate, e as pessoas não têm a menor ideia do que ocorre. Essa conta
feita dessa forma barata fala muito ao senso comum e contribui para o
sucesso do discurso do ajuste”, dispara Leda Paulani, economista da USP e
ex-secretária de Planejamento do governo Haddad.
O destaque midiático que se dá ao superávit primário deliberadamente ignora o resultado nominal das contas públicas, aquele que incorpora as despesas com a rolagem da dívida pública, isto é, o pagamento de juros. Falar em resultado primário, que é definido como o saldo atingido pelas contas públicas sem cômputa dos gastos com juros, presta-se a uma tarefa política de obscurecer o quanto do orçamento público é destinado aos últimos, e portanto à valorização patrimonial da riqueza privada.
Conforme esclarece a professora, quando o resultado primário do governo, que trata-se de verba destinada ao custeio de serviços públicos como saúde, educação e cultura, ao financiamento de programas sociais como o Bolsa-Família e o FIES, e com investimentos em infra-estrutura, é deficitário, há uma "crise” de "irresponsabilidade” fiscal - conduta considerada criminosa pela Lei 10.028/2000. Mas a promoção perene do déficit nominal, quando incorporados os juros nominais, é convenientemente ignorada pela não veiculação desse número.
De acordo com os dados contábeis do Banco Central do Brasil, divulgados em 30/04/2015, o Governo Federal acumula, no ano de 2015, superávit primário no montante de 19 bilhões de reais. Esse resultado é completamente solapado quando se incorporam os juros nominais do período, que constituem uma despesa de 143,8 bilhões. Deste modo, acumulamos, no ano, déficit nominal que soma 124,8 bilhões de reais. Segundo Leda, apesar de o governo federal, de 2002 a 2008 e também em 2011 e 2012, ter produzido superávit, ele nunca poupou. “Quando você coloca os juros, o governo é sempre deficitário. Você nunca teve as contas equilibradas. A parcela destinada a pagar o serviço da dívida é muito maior, mas ninguém fala dela”, reclama.
Assim, os Professores Gilberto Bercovici e Luis Fernando Massonetto, da Faculdade de Direito da USP, apontavam, em texto de 9 anos atrás, que o Estado passara a dar garantias, a partir dos anos 1970 e das reformas estruturais pelas quais passou o capitalismo desde então, ao “processo sistêmico de acumulação liderado pelo capital financeiro”, fornecendo, por meio do instrumento da dívida pública - porto seguro de todo rentista - “a tutela jurídica da renda do capital e a sanção dos ganhos financeiros privados”.
Deste modo, como colocam os autores, apesar do discurso de controle dos gastos públicos, de austeridade e de promoção do superávit primário, atualmente empregado pelo Governo Federal, o que se tem, considerando o resultado nominal deficitário das contas, é uma prática oposta: o aumento de gastos públicos gerado pelas altas taxas de juros. Para Leda, quando se fala em aumento da taxa Selic, só se fala em controle da inflação, mas o fato desse aumento estourar as contas públicas - situação criticada pela mesma mídia conservadora - é esquecido. “Parece que tem dois dinheiros: um milagroso e que não faz mal, o que paga juros, e outro que faz mal, aquele que produz o déficit.”
De acordo com o deputado federal do PT (SP), Paulo Teixeira, “os gastos com juros são os mais danosos para a sociedade brasileira”. Para ele, devemos diminuir juros e manter programas sociais, ao passo que melhoramos as receitas fiscais taxando os mais ricos e combatendo a sonegação. “Não é pela via dos cortes que vamos chegar a lugar algum”, argumenta.
Diante da limitação de recursos disponíveis para se garantir o pleno acesso aos serviços públicos demandados pela população brasileira, a luta pela destinação do orçamento fiscal da União é a luta pela apropriação do excedente de riqueza produzido pela economia brasileira. Conforme colocam Bercovici e Massonetto, o superávit primário aliado ao déficit nominal é um arranjo fiscal, legalmente constituído, que reserva à minoria absoluta da população brasileira a fatia mais gorda do bolo orçamentário, deixando às políticas sociais, e portanto ao restante do povo, “as sobras orçamentárias e financeiras do Estado.” Ao invés de o déficit público realizar o custeio dessas políticas, hoje o déficit público que existe é aquele “que garante a remuneração para o capital”, asseguram os juristas.
Qual é a solução? Segundo Leda, trata-se de uma questão que, antes de ser econômica, é política. "Tem que ter mobilização. Na minha leitura, o que aconteceu foi que a Presidenta Dilma sucumbiu aos insistentes reclamos dessa turma". Ela relembra que Lula fez a mesma coisa em seu primeiro mandato, e isto teria produzido a narrativa de que é necessário "arrumar a casa” para crescer. Mas isto é uma falácia: o que produziu um forte crescimento no segundo mandato do ex-presidente foi uma situação internacional favorável, sobretudo o boom das commodities puxado por forte crescimento chinês.
Repetir a mesma fórmula no atual momento não gerará o mesmo resultado. "Lula teve papel de grande peso na decisão de convidar Levy para o Ministério da Fazenda. Acho que se arrependeu um pouco. Esse ajuste está sendo maior do que deveria", especula, completando: "É uma questão política. A alternativa é sair dessa tesoura".
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Referências: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Política fiscal: nota para a imprensa - 30.04.2015. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC>. Acesso em: 19.05.2015.
BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. A constituição dirigente invertida: a blindagem da constituição financeira e a agonia da constituição econômica. In: Separata do Boletim de Ciências Económicas. Coimbra, 2006.
O destaque midiático que se dá ao superávit primário deliberadamente ignora o resultado nominal das contas públicas, aquele que incorpora as despesas com a rolagem da dívida pública, isto é, o pagamento de juros. Falar em resultado primário, que é definido como o saldo atingido pelas contas públicas sem cômputa dos gastos com juros, presta-se a uma tarefa política de obscurecer o quanto do orçamento público é destinado aos últimos, e portanto à valorização patrimonial da riqueza privada.
Conforme esclarece a professora, quando o resultado primário do governo, que trata-se de verba destinada ao custeio de serviços públicos como saúde, educação e cultura, ao financiamento de programas sociais como o Bolsa-Família e o FIES, e com investimentos em infra-estrutura, é deficitário, há uma "crise” de "irresponsabilidade” fiscal - conduta considerada criminosa pela Lei 10.028/2000. Mas a promoção perene do déficit nominal, quando incorporados os juros nominais, é convenientemente ignorada pela não veiculação desse número.
De acordo com os dados contábeis do Banco Central do Brasil, divulgados em 30/04/2015, o Governo Federal acumula, no ano de 2015, superávit primário no montante de 19 bilhões de reais. Esse resultado é completamente solapado quando se incorporam os juros nominais do período, que constituem uma despesa de 143,8 bilhões. Deste modo, acumulamos, no ano, déficit nominal que soma 124,8 bilhões de reais. Segundo Leda, apesar de o governo federal, de 2002 a 2008 e também em 2011 e 2012, ter produzido superávit, ele nunca poupou. “Quando você coloca os juros, o governo é sempre deficitário. Você nunca teve as contas equilibradas. A parcela destinada a pagar o serviço da dívida é muito maior, mas ninguém fala dela”, reclama.
Assim, os Professores Gilberto Bercovici e Luis Fernando Massonetto, da Faculdade de Direito da USP, apontavam, em texto de 9 anos atrás, que o Estado passara a dar garantias, a partir dos anos 1970 e das reformas estruturais pelas quais passou o capitalismo desde então, ao “processo sistêmico de acumulação liderado pelo capital financeiro”, fornecendo, por meio do instrumento da dívida pública - porto seguro de todo rentista - “a tutela jurídica da renda do capital e a sanção dos ganhos financeiros privados”.
Deste modo, como colocam os autores, apesar do discurso de controle dos gastos públicos, de austeridade e de promoção do superávit primário, atualmente empregado pelo Governo Federal, o que se tem, considerando o resultado nominal deficitário das contas, é uma prática oposta: o aumento de gastos públicos gerado pelas altas taxas de juros. Para Leda, quando se fala em aumento da taxa Selic, só se fala em controle da inflação, mas o fato desse aumento estourar as contas públicas - situação criticada pela mesma mídia conservadora - é esquecido. “Parece que tem dois dinheiros: um milagroso e que não faz mal, o que paga juros, e outro que faz mal, aquele que produz o déficit.”
De acordo com o deputado federal do PT (SP), Paulo Teixeira, “os gastos com juros são os mais danosos para a sociedade brasileira”. Para ele, devemos diminuir juros e manter programas sociais, ao passo que melhoramos as receitas fiscais taxando os mais ricos e combatendo a sonegação. “Não é pela via dos cortes que vamos chegar a lugar algum”, argumenta.
Diante da limitação de recursos disponíveis para se garantir o pleno acesso aos serviços públicos demandados pela população brasileira, a luta pela destinação do orçamento fiscal da União é a luta pela apropriação do excedente de riqueza produzido pela economia brasileira. Conforme colocam Bercovici e Massonetto, o superávit primário aliado ao déficit nominal é um arranjo fiscal, legalmente constituído, que reserva à minoria absoluta da população brasileira a fatia mais gorda do bolo orçamentário, deixando às políticas sociais, e portanto ao restante do povo, “as sobras orçamentárias e financeiras do Estado.” Ao invés de o déficit público realizar o custeio dessas políticas, hoje o déficit público que existe é aquele “que garante a remuneração para o capital”, asseguram os juristas.
Qual é a solução? Segundo Leda, trata-se de uma questão que, antes de ser econômica, é política. "Tem que ter mobilização. Na minha leitura, o que aconteceu foi que a Presidenta Dilma sucumbiu aos insistentes reclamos dessa turma". Ela relembra que Lula fez a mesma coisa em seu primeiro mandato, e isto teria produzido a narrativa de que é necessário "arrumar a casa” para crescer. Mas isto é uma falácia: o que produziu um forte crescimento no segundo mandato do ex-presidente foi uma situação internacional favorável, sobretudo o boom das commodities puxado por forte crescimento chinês.
Repetir a mesma fórmula no atual momento não gerará o mesmo resultado. "Lula teve papel de grande peso na decisão de convidar Levy para o Ministério da Fazenda. Acho que se arrependeu um pouco. Esse ajuste está sendo maior do que deveria", especula, completando: "É uma questão política. A alternativa é sair dessa tesoura".
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Referências: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Política fiscal: nota para a imprensa - 30.04.2015. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC>. Acesso em: 19.05.2015.
BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. A constituição dirigente invertida: a blindagem da constituição financeira e a agonia da constituição econômica. In: Separata do Boletim de Ciências Económicas. Coimbra, 2006.
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