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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Whatsapp caiu e a culpa é do Facebook.

A responsabilidade originária deste dano é da postura arrogante e unilateral desta empresa que dissimuladamente alega operar pelo bem comum


Pedro Ekman

O Brasil amanheceu nesta quinta-feira sem trocas de mensagens pelo Whatsapp e a culpa é do Facebook. Para quem está chegando agora, vale avisar que o Grupo Facebook de Mark Zuckerberg é também dono dos aplicativos Whatsapp e Instagram. A justiça determinou a suspensão por 48 horas do Whatsapp no Brasil por descumprimento de ordem judicial que determinava o acesso a dados do aplicativo de pessoas que estavam sendo investigadas.


Zuckerberg se disse “chocado que os esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros”. Balela, Zuckerberg não está preocupado com a privacidade dos brasileiros, ele manipula e vende todas as informações que coleta de absolutamente toda a população ao redor do mundo, mesmo aquelas privadas que não era para ninguém mais saber a não ser você e o destinatário da sua mensagem. Mandar conteúdo íntimo ou particular por foto, texto ou som via Whatsapp, Instagram ou Facebook é o mesmo que tirar a roupa em um Shopping Center pensando que está entre as quatro paredes do quarto. Isso não é nem de longe estar preocupado com a privacidade da população.


A decisão judicial de suspensão também não é razoável. Retirar do ar o serviço de comunicação de toda a população como punição a um fato restrito a poucos usuários tampouco parece respeitar o princípio de proporcionalidade garantido na Constituição Federal brasileira. Seria o mesmo que mandar fechar todas as agências dos Correios por causa de um punhado de cartas. Ou retirar o serviço de telefonia do ar se a operadora se negar a instalar uma escuta definida por ordem judicial.


Mesmo a medida desproporcional da justiça brasileira, pelo menos em parte, também é culpa do Facebook. A conduta arrogante da empresa americana em se recusar a cumprir ordem judicial no Brasil praticamente leva o litígio a uma estratégia que possibilite algum efeito concreto. Antes de determinar a suspensão do serviço, a justiça já tinha determinado multa diária de 100 mil reais que chegou a somar 12 milhões de reais. A postura do Facebook foi a mesma: “Não devemos satisfação a vocês, nos submetemos apenas às leis dos Estados Unidos”.


Muitos vieram a público bradar que o Whatsapp só teria saído do ar por que no Brasil aprovamos o Marco Civil da Internet que permite à justiça fazer esse tipo de coisa. Não é verdade, mesmo antes da aprovação desta lei, um juiz já chegou a determinar a retirada de todo o YouTube do ar a pedido da Daniela Cicarelli que queria a retirada de um único vídeo privado. É o mesmo caso de se tentar eliminar o mensageiro por causa da mensagem. Um erro grosseiro que não acontecia no mundo analógico, mas que pode se tornar uma prática no ambiente digital por puro desconhecimento do tema pelo sistema judiciário ou por simples abuso de poder.


Responsabilizar a ferramenta pelo mal uso que se faz dela é algo torpe. Alguns podem dizer que a criptografia é uma ferramenta utilizada por quem quer se esconder para cometer crimes. Pode até ser, mas é essa mesma criptografia que protege o voto eletrônico, a sua conta no banco e as denúncias de corrupção do seu político preterido. Não se proíbe o uso de facas, elas podem ser usadas para machucar alguém e para passar manteiga no pão.


Além de devassar a privacidade de todos os cidadãos, o Facebook também comete outras ilegalidades diariamente. Os planos de celular com uso “gratuito” do Whatsapp e Facebook são uma afronta direta à lei brasileira que proíbe a discriminação de conteúdos na rede. O delito cometido pelo Facebook e operadoras de telefonia estabelece um pedágio seletivo na internet. Da mesma forma, não temos que suspender a atividade das plataformas, mas sim suspender os planos de venda discriminatórios.
 
Mais de um milhão e meio de usuários brasileiros descobriram o Telegram nas 12 horas em que vigorou a suspensão do Whatsapp. O Telegram tem garantias mais consistentes à privacidade do usuário, como serviço de mensagem criptografada com autodestruição automática e de ser mais divertido disponibilizando figurinhas (stickers) que podem ser produzidas pelos próprios usuários.  E como ele outros aplicativos de fato preocupados com a privacidade do usuário estão à disposição do público há muito tempo, tais como o Actor https://actor.im ou o Signal https://whispersystems.org/ recomendado por Edward Snowden.


- E se esses aplicativos são melhores por que nunca usamos?
- Por que ninguém tem.
- E por que ninguém tem?
- Por que o zapzap não desconta da franquia.


E assim seguimos em um ciclo vicioso que sufoca a competitividade comercial na rede aniquilando a inovação. Por isso é tão importante que se mantenha a rede neutra, sem discriminação econômica ou de qualquer natureza de um aplicativo sobre outros.


A medida adotada pela justiça foi desproporcional e não beneficia a sociedade penalizada pela conduta comercial da empresa. A responsabilidade originária deste dano é da postura arrogante e unilateral desta empresa que dissimuladamente alega operar pelo bem comum ao defender seus interesses privados. O debate que se abriu na sociedade e a descoberta de novos aplicativos e maneiras de consumo mais seguras e conscientes é o grande saldo positivo que tivemos nesse episódio e o custo disto para o grupo que quer tornar a internet um domínio privado pode ter saído mais caro do que os 12 milhões inicialmente cobrados de Zuckerberg.
 
Pedro Ekman é do Conselho do Intervozes

Texto original: CARTA MAIOR

sábado, 12 de abril de 2014

Marco Civil é a vitória de uma concepção libertária da Internet

Não faz justiça ao Marco Civil apontá-lo como uma vitória do governo sobre rebeldes. O projeto aprovado é muito mais do que isso.

Paulo Teixeira, deputado federal (PT-SP)

A dimensão do Marco Civil da Internet, aprovado pela Câmara na semana passada e na agenda de votação do Senado, foi obscurecida pelas duas semanas de intensa queda-de-braço entre o governo e parte de sua base parlamentar.

Não faz justiça ao Marco Civil apontá-lo como a razão do conflito – cujas motivações são meramente eleitorais – ou simplesmente como uma vitória do governo sobre rebeldes. O projeto aprovado é muito mais do que isso: é a vitória de uma concepção libertária da Internet que desponta como referência mundial de regulação da rede, e uma proposta que derrotou a ameaça obscurantista que vagou pelos corredores do Congresso por quase 15 anos. Dizer que o projeto aprovado limita a liberdade na rede, como o líder de um partido de oposição chegou a argumentar no encaminhamento da matéria para negar os oito votos de seu partido à lei, é desinformação ou má-fé.

O texto aprovado na semana passada pela Câmara foi o produto de uma grande articulação nacional de parlamentares, movimentos sociais e figuras envolvidas na defesa de uma legislação que garantisse a neutralidade da rede (não discriminação do tráfico de conteúdos) e direito à privacidade do usuário e inviolabilidade e sigilo de suas informações, e que passou a contar com o apoio dos governos progressistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

O movimento final, e vitorioso, foi uma reação à aprovação pelo Senado, em 2008, de substituto do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a projeto apresentado em 1999, na Câmara. O relatório do senador criminalizava praticamente todo o uso da internet, inclusive uma banal troca de e-mails. A proposta do tucano abrigava reivindicações de bancos e empresas de cartões de crédito e o lobby de empresas de certificação digital – e o senador mineiro levou as exigências de segurança a um extremo tal que o próprio uso da rede estaria inviabilizado, se sua lei fosse aprovada. O relatório Azeredo era uma mera definição de crimes, que passava ao largo dos direitos de usuários e ignorava o artigo 5º da Constituição – aquele que define com clareza, desde a Constituinte de 1988, o direito do cidadão à informação, à privacidade e à igualdade.

Na Câmara, eu e um grupo de deputados do PT, do PCdoB, do PSB e do PSOL, bloqueamos a votação do projeto aprovado no Senado e nos unimos a setores da sociedade que reivindicavam um Marco Civil da Internet, em contraposição a uma lei de tipificação de crimes digitais. Para enterrar o AI-5 digital de Azeredo, adotamos a estratégia de obstruir a votação do projeto na Câmara e, simultaneamente, construir uma alternativa ao texto que vinha do Senado: uma lei equilibrada que punisse apenas os atos praticados por criminosos na internet. Dessa articulação, resultou um projeto para punir crimes da internet de minha autoria, que se tornou uma lei perfeitamente compatível com o Marco Civil, cujos termos começavam a ser construídos pela sociedade civil.

Em 2009, o presidente Lula acatou a reivindicação dos movimentos sociais, feitas no Fórum Internacional de Software Livre, e orientou oficialmente sua bancada na Câmara a barrar o projeto Azeredo e iniciar um processo de debate com a sociedade para definição de um texto que fosse, de fato, um marco regulatório. Por meio de ferramentas digitais, o Ministério da Justiça coordenou uma ampla consulta pública sobre o tema. Em 2011, quando eu era líder do PT na Câmara, o governo enviou o projeto do Marco Civil para a Câmara. Desde então, o deputado Alessando Molon (PT-RJ) conduziu um trabalho de relator que consistiu em mediar entendimentos para produzir um texto final que fosse o mais inclusivo e democrático possível.

Este é um trabalho que se estendeu ao longo dos últimos cinco anos. Nesse período, o Brasil caminhou perigosamente de uma Lei de Crimes da Internet, que praticamente sepultaria o livre acesso dos usuários à rede, para uma Constituição da Internet, que garantirá os direitos e definirá deveres do usuário. A proposta de Azeredo, aprovada na madrugada do dia 10 de julho de 2008 pelo Senado, tornava crime obter ou transferir dado ou informação disponível em redes de informação sem autorização da fonte, obrigava a identificação dos usuários que trafegassem por serviços brasileiros e até tornava crime a propagação de vírus, mesmo sem intenção dolosa. O projeto relatado por Molon, e aprovado agora na Câmara, tem como ponto fundamental a neutralidade da rede, o que impede, por exemplo, que provedores de acesso discriminem usuários mais pobres, impedindo o acesso a conteúdos que os mais ricos tenham acesso.

Essa virada democrática na regulamentação da internet brasileira dará também uma enorme contribuição ao debate internacional sobre o tema. Quando relator da matéria, o senador Eduardo Azeredo reivindicava que o seu projeto fosse o modelo de regulação da web dos países vizinhos. Hoje, a referência será uma lei democrática.

Dias antes da votação do Marco Regulatório pela Câmara, na semana passada, o fundador da internet mundial, Tim Bernes Lee, disse que Marco Civil da Internet brasileiro, se aprovado, seria "o melhor presente possível para os brasileiros e para os usuários da web em geral". "O relatório reflete a internet como deveria ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, onde os usuários são o motor da colaboração e inovação". Além disso, salientou, "a lei garante direitos humanos como privacidade, cidadania e a presença da diversidade e do propósito social da web".

O legado da experiência participativa para a construção do Marco Regulatório da Internet, e a própria lei dela resultante, será de grande contribuição para o Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Internet, que ocorrerá nos dias 23 e 24 de abril, no Rio. O encontro ocorrerá no Brasil por solicitação da organização não-governamental ICANN, órgão internacional responsável por estabelecer regras de uso da internet mundial, e em função das posições firmes assumidas pela presidenta Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, contra as práticas de violação de informações de governos e cidadãos pelos Estados Unidos.

O Brasil passa a ser um protagonista no debate sobre a web internacional, graças ao fato de ter enfrentado os problemas impostos pelas novas tecnologias aos governos e aos cidadãos, sem que tenha se deixado seduzir por legislações restritivas de liberdade.

Texto original: CARTA MAIOR