Andrea Dip, da Agência Pública
Francisco* (foto) estava no sofá assistindo televisão e aproveitando seu primeiro dia de férias, quando a polícia quebrou o portão e invadiu sua casa gritando, com armas em punho. Apesar de não saber do que se tratava, o coletor de lixo não reagiu nem para dizer que era trabalhador de carteira assinada. Por experiência anterior (ele já havia passado seis meses em um Centro de Detenção Provisória e depois inocentado) sabia que seria pior tentar argumentar naquele momento. A filha de 15 anos estava no banho, a esposa e a filha mais nova, de 5 anos, não estavam na casa, localizada no litoral sul de São Paulo.
Foi levado algemado para a delegacia do DHPP, na capital. Só então ficou sabendo que a vítima de um sequestro, um homem que pagara 400 mil reais de resgate, havia supostamente reconhecido sua tatuagem em um álbum de pessoas com passagem pelo sistema carcerário, apresentado pela polícia. A vítima teria dito que o sequestrador tinha uma tatuagem no braço, e escolhido Francisco no álbum com fotos de ex-detentos que batiam com a descrição de tipo físico e da tatuagem mostrado pela polícia.
Mesmo com provas e testemunhas de que estava trabalhando nos dias em que a vítima afirmou ter ficado 24 horas sob olhares do algoz, em outra cidade, Francisco ficou preso por dois meses no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo, em uma cela “pequenininha assim”, com mais de cinquenta pessoas, “às vezes mais, às vezes menos”, esperando que o delegado chamasse a vítima para um novo reconhecimento.
“O delegado dizia que não estava encontrando o homem” conta a esposa de Francisco, que acabou ela mesma descobrindo o endereço e passando ao delegado. “Só aí que ele ficou sem graça e chamou pra reconhecer” lembra a mulher. Durante os dois meses em que esteve no CDP, Francisco não viu as filhas, porque não queria que as meninas passassem pela humilhação da revista vexatória. O que mais o marcou foram as revistas com cães dentro das celas, quando eram obrigados a se despir e se encolher “com os cães fungando no cangote”.
Quando saiu, perdeu o emprego. “Me disseram que foi porque a empresa foi vendida e tiveram que demitir algumas pessoas” explica. Diz que a filha pequena chora quando vê passar um carro de polícia na rua – tem medo que levem o pai mais uma vez. Sua esposa tem trabalhado dobrado pra sustentar a casa enquanto ele procura outro serviço. Mas com seu nome ainda não liberado do processo, “tá bem difícil”.
O caso de Francisco dá feição humana aos números escandalosos do encarceramento provisório no Brasil, denunciados por vários órgãos de defesa de direitos humanos e, mais recentemente, pelo Relatório Mundial 2015, da Human Rights Watch, publicado em janeiro, que analisa anualmente avanços e retrocessos na proteção dos direitos humanos em mais de 90 países.
Sobre o Brasil destaca esse gargalo do sistema penitenciário entre denúncias de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante e falta de infraestrutura dos presídios. Em setembro de 2014, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Prisão Arbitrária também apresentou um relatório apontando a superlotação endêmica, o acesso à justiça severamente deficiente e o encarceramento como regra e não exceção mesmo em casos de delitos leves e sem violência.
O “Mapa das Prisões” da organização de direitos humanos Conectas, mostra um crescimento de 317,9% na taxa de encarceramento (número de presos por cada grupo de 100 mil habitantes) do país entre 1992 e 2013, passando de 74 para 300,96 enquanto a Rússia, por exemplo, registrou redução de cerca de 4% no mesmo período.
Segundo os últimos dados disponibilizados pelo InfoPen do Ministério da Justiça de junho de 2013, o Brasil contava com mais de 581 mil pessoas privadas de liberdade, 41% delas em prisão provisória. É a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O déficit de vagas supera 230 mil.
No estado do Amazonas mais de 70% dos encarcerados são presos provisórios e em São Paulo 36% do total, segundo os últimos dados do Ministério da Justiça. Mas de acordo com Bruno Shimizu, defensor público do Núcleo de Situação Carcerária de São Paulo, o número de provisórios é ainda maior já que esta conta diz respeito apenas aos presos sem julgamento, não incluindo os que não tiveram ainda o processo concluído: “Os dados apontados pelo Depen não mostram um número real porque quando a pessoa tem uma sentença de 1o grau ela continua sendo inocente até o fim do processo”.
Uma pesquisa feita em parceria entre Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que, em 37,2% dos casos em que há aplicação de prisão provisória, os réus não são condenados à prisão ao final do processo ou recebem penas menores que seu período de encarceramento inicial.
Pela ordem pública
“O Brasil é conhecido internacionalmente como um país que extrapola qualquer limite no número de prisões preventivas. É uma prisão que pela Constituição é excepcionalíssima e na prática ela é a regra. No fim das contas, serve como uma forma antecipada de pena e como forma de contenção social mesmo” diz o defensor público coordenador do Núcleo de Situação Carcerária Patrick Cacicedo.
Ele explica que a prisão preventiva ou cautelar, segundo a lei, serve para garantir o andamento regular do processo. “Pela lei e pela nossa Constituição, que diz que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’, ela só deve ser utilizada quando se tiver elementos concretos que mostrem que aquela pessoa vai atrapalhar o andamento do processo de alguma maneira, fugir, em casos de crimes contra a ordem econômica do país ou para a garantia da ordem pública. E é aí que se prende mais. Porque ninguém sabe o que é ‘ordem pública’. É um termo vago. Quando não se tem um motivo concreto – e quase nunca tem – ela faz valer a grande maioria das prisões preventivas” explica.
Muitas vezes, como mostra a pesquisa Tecer Justiça – Presas e presos provisórios da cidade de São Paulo, feita pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e Pastoral Carcerária, o primeiro contato entre o defensor e o acusado coincide com a realização da audiência de instrução, debates e julgamento, que pode vir a acontecer meses após a prisão.
10 anos no limbo
O processo de Gabriel* (foto), ao qual a Pública teve acesso, chega a ser inacreditável.
O homem, réu confesso de homicídio em 2004 teve o processo suspenso pouco tempo após sua prisão preventiva decretada a partir de um flagrante. O motivo foi um laudo psiquiátrico que considerou-o inimputável. O juiz determinou que ele fosse internado em um hospital-presídio para tratamento imediato. Por repetidas alegações de falta de vagas, permaneceu em Centros de Detenção Provisória por 10 anos. Durante esse período, foi avaliado periodicamente por especialistas que reafirmavam sua condição mental e a necessidade de tratamento urgente. Só em 2014, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal e Gabriel foi finalmente transferido para um hospital-presídio.
E ele é exceção não por conta do longo tempo que passou esquecido – isso é mais ou menos comum – mas porque a parcela de presos provisórios por homicídios é ínfima perto de crimes como furto, roubo e tráfico de poucas quantidades de drogas, segundo a pesquisa do IITC.
Enquanto as vítimas são majoritariamente brancas (mais de 70%) os réus são em sua maioria pretos e pardos (67%), têm entre 18 e 25 anos, um ou dois filhos, com expressiva incidência de situação de rua. Mais de 80% das mulheres presas são mães. O relatório aponta ainda que na unidade do CDPI de Pinheiros, muitos são usuários de drogas ou dependentes químicos e vivem em situação de rua.
"Quem a viatura para?” questiona o desembargador Marcelo Semer, membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, que atua na área criminal há 25 anos e passou alguns deles em uma Vara Criminal de São Paulo. “90% dos processos que a gente tinha na Vara Criminal eram de flagrantes da Polícia Militar, era quem fazia nossa triagem. E a PM aborda muito mais na periferia que no centro, muito mais o jovem que o idoso, o negro que o branco, isso já traz uma seleção”, define. “E o réu é o último a ser ouvido, isso não acontece antes de dois meses”.
Rafael Custódio, coordenador do programa de justiça da Conectas acrescenta: “Só depois desse período acontece o primeiro contato do réu com juiz e o defensor público. Se há tortura, como está o contato com a família, condições de saúde, tudo isso só vai ser avaliado depois desse tempo. Quer dizer, o Estado só sabe que esse cara existe depois de no mínimo dois meses”.
Segundo levantamento de 2013 da Anadep (Associação Nacional de Defensores Públicos) e do Ipea, o Brasil conta hoje com 11,8 mil juízes, 9,9 mil promotores e apenas 5 mil defensores. Só no Fórum da Barra Funda, em São Paulo, cada defensor é responsável por 2,5 mil processos criminais.
Lei veio pra soltar, mas prende ainda mais
Em 2011, foi criada a lei 12.403/2011 para tentar melhorar esse cenário. Ela proibiu, por exemplo, a prisão preventiva nos casos em que mesmo se a pessoa fosse condenada não receberia pena de prisão. Também trouxe mais opções de medidas cautelares que podem substituir a prisão. Mas o que se tem visto, segundo os defensores públicos, é que a lei tem prendido mais do que soltado.
“Uma das medidas que ganhou força com essa lei foi a fiança. Então para uma pessoa que não pode ter a prisão preventiva decretada, o juiz determina que pague tantos salários mínimos. E aí a gente descobriu uma coisa assustadora que é o número de pessoas presas simplesmente por não ter dinheiro para pagar essa fiança” explica Patrick. “No início tiveram casos absurdos de fiança de 5 mil reais para moradores de rua. O juiz diz ‘não estou decretando prisão, estou pedindo fiança’ e a pessoa não tem como pagar”.
Bruno lembra um caso recente: “Nós acabamos de soltar uma mulher que tinha furtado uma barrinha de chocolate e o juiz sentenciou a pagar fiança de um salário mínimo. Obviamente ela não tinha o dinheiro, por isso ficou presa. E o juiz sabe disso, né? Ele não é inocente nessa história, a finalidade é essa, de continuar um projeto higienista de tirar a pobreza da rua e já que não dá pra jogar todo mundo na prisão a gente dá um jeito de fazer isso! A gente tinha várias reformas para diminuir a população carcerária no país que incrivelmente só incrementam”.
Patrick lembra de um caso tocante: "Eu estava no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo), na Barra Funda e tinha dois casos de fiança. Chegaram duas famílias. Uma tinha juntado todo o dinheiro que podia e foi para o Fórum com 600 reais. A outra tinha um pouco mais. Mas as duas eram muito pobres. A decisão do juiz, para as duas famílias, foi fiança de um salário mínimo. Uma das famílias tinha e a outra não. O juiz não quis reduzir o valor. Então uma família deu a diferença para a outra. ‘Olha, meu filho foi liberado, não achamos justo o seu ficar. Toma aqui esses 180 reais’".
Marcelo Semer acrescenta: “Com a nova lei aumentou o número de crimes afiançáveis e portanto o uso da fiança. Só que, para quem não tem condição de pagar fiança, significa prender. E eu vi isso muitas vezes na Vara Criminal. Em muitos casos o réu já podia ter pago a fiança mas não pagou e estava preso. A gente tem que somar isso a uma enorme seletividade da prisão. Acho que esse é o problema maior. A gente só tem esse volume grande de prisão provisória porque ela é seletiva. Só tem esses milhares de presos provisórios porque atinge uma camada excluída”.
Outro ponto polêmico, segundo Semer, é o uso de tornozeleiras eletrônicas. “A ideia da tornozeleira seria interessante se tirasse as pessoas da prisão mas o que se faz, em via de regra, é levar um pouco de prisão para a liberdade. Naqueles casos em que a pessoa vai ser solta, o juiz manda por a tornozeleira para a pessoa não ficar totalmente solta”.
A advogada Gabriela Ferraz, do ITTC explica: “Tem dois momentos em que você poderia usar a tornozeleira: a primeira é quando o juiz tem algum elemento de que a pessoa vá fugir ou que ameaça alguma testemunha, algum elemento concreto. E serviria para que a pessoa não fosse presa e reduzir o contingente carcerário. Em segundo lugar, nas saídas temporárias. No natal, por exemplo”.
Bruno Shimizu acrescenta: “Não é uma tornozeleira, é uma tornozeleira com uma mochila e um GPS bem difícil de carregar. A mochila não pode ficar distante da tornozeleira. Qual é o resultado disso? Quando a defesa pede que se aplique uma medida cautelar para que a pessoa não fique presa, o juiz responde não temos tornozeleiras então vamos decretar prisão. Mas quando a pessoa já teria direito a saída de natal, tem tornozeleira”.
Patrick lembra que a Defensoria foi convidada a participar de uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa, para discutir o uso de tornozeleiras e percebeu que o perfil da plateia estava diferente do usual. “A plateia estava cheia de pessoas engravatadas. Na hora em que abriram para as perguntas, todas as pessoas que levantaram as mãos eram representantes de empresas desse equipamento, querendo participar de licitação”. Semer observa que “o Estado natural do réu dentro do processo é a prisão quando na lógica tem que ser ao contrário. Quando você libera o réu diz que concede liberdade provisória. Só por esse nome a gente já vê o quão fugaz é a ideia de liberdade”.
O que o Estado me devolveu
Dona Rosa chega à sede da entidade “Mães dos Cárceres”, fundada e mantida pela rapper Andréia M.F na Praia Grande, com vários papéis dobrados nas mãos. São os laudos médicos e receitas que mostram os surtos que seu neto tem desde que saiu do CDP da Praia Grande há mais de 5 anos.
A avó conta que ele foi pego, aos 18 anos, em uma batida policial em um salão onde cortava os cabelos e levado junto de pequenos traficantes. Ficou lá por dois anos. “Quando ele saiu, não era o mesmo. Eu percebi que ele foi mudando comigo, sabe? Quando eu ia visitar ele não me reconhecia, me mandava embora. E eu que criei ele, a gente era muito apegado”.
Quando ele saiu, conta Dona Rosa, não reconhecia ninguém, não quis voltar a trabalhar e nas poucas vezes que abriu a boca foi pra dizer que comeu sabão, que sofreu, que quase morreu e para brigar com ela. “Ele nunca teve nada, daí agora o médico disse que é esquizofrenia. Ele quebrou minha casa inteira, me expulsou de casa. Eu vendo camarão na praia e ele não me deixa entrar lá pra cozinhar. Estou dormindo em um quartinho do lado da casa mas não sei como vou fazer. Internaram ele na Santa Casa mas mandaram de volta um mês depois. Ele não quer tomar o remédio, não quer fazer o tratamento, já apanhou na rua de uns meninos e da polícia. Você vê, foi isso que o Estado me entregou de volta”.
Lei de drogas agrava o problema
Rafael Custódio acredita que a lei de drogas também agrava muito o uso abusivo da prisão provisória no país. “Não dá pra falar sobre presos provisórios sem falar sobre lei de drogas. Porque 90% dos presos relacionados a drogas são presos em flagrante, muitos de uma vez. 60%, 70% tem um perfil muito claro que é o cara da periferia, jovem, que é preso sem armas, já distante da sociedade de consumo estabelecida e que é preso por conta dessa estrutura a criminal que a gente tem. Quem mais age aí é PM, que é quem mais prende no Brasil. E ela trabalha na lógica da quantidade mesmo, que é uma lógica pouco inteligente e sofisticada, quase sem investigação. Você não está desarticulando o sistema do tráfico de drogas, sequer chegando perto disso. Você pega o menino que está nessa atividade que é rapidamente substituído. Nosso sistema hoje é construído para proteger o patrimônio e cumprir lei de drogas”.
Marcelo Semer acrescenta que a lei mais severa também criou um grande problema de encarceramento feminino. “Antes o número era pequeno mas elas passaram a a cumprir no mínimo três anos em regime fechado. Nem homicídio cumpre isso”.
Tortura e más condições
Na pesquisa do ITTC, abundantes foram os depoimentos de homens e mulheres que disseram ter vivenciado experiências de tortura como o “zigue-zague” (para desorientar e fazer com que as pessoas algemadas batam a cabeça), o “micro-ondas” (quando o suspeito fica horas “esquentando” dentro do camburão) , o uso de spray de pimenta diretamente nos olhos e no nariz, a invasão de domicilio, o flagrante forjado, a extorsão, a discriminação racial e a ameaça contra parentes (inclusive crianças).
“Em se tratando da população feminina, também foram marcantes as denúncias de violência sexual, que abrangem pedido de propina sexual, apalpadas durante a revista por policial masculino, obrigação de ficar nua e ameaça de estupro” aponta. Os números chamam a atenção: dos entrevistados, 57% dos homens disseram ter sido abordados por policiais muitas vezes; 56% disseram ter sido agredidos verbalmente por policiais muitas vezes, 35,6% disseram ter sido agredidos fisicamente por policiais muitas vezes. Entre as mulheres o número cai para 19,4% abordadas muitas vezes por policiais; 23% agredidas verbalmente; 10,2% agredidas fisicamente muitas vezes e 43,7% que viram muitas vezes policiais agredirem pessoas.
As más condições dos Centros de Detenção Provisória também têm sido denunciadas pelos órgãos de direitos humanos. “O CDP de Pinheiros chegou a abrigar mais de 1700 presos ao passo que sua capacidade é de 520, tendo sido interditado em dezembro de 2010, período que foram interrompidas as inclusões. A penitenciária feminina de Santana possui capacidade para 2400 mulheres mas sua população, em 2010, era de 2700 (ver site da SAP) das quais 840 eram presas provisórias” relata a pesquisa do ITTC. No CDP da Praia Grande, a situação é tão grave – há mais de 1600 presos em um espaço com capacidade para 512 em instalações e condições extremamente precárias – que a Defensoria Pública entrou com uma Ação Civil Pública pedindo sua interdição parcial.
“O CDP de Pinheiros já tem essa alcunha de novo Carandiru, porque tem 6 mil homens onde cabem 4 mil. E você conversa com os caras lá, são viciados em crack então roubaram, ou são viciados por isso traficam. Tem uma das unidades que fica a população de rua, a cracolândia, casos que não representam nenhum perigo” comenta Rafael Custódio. E acrescenta: “Os CDP’s geralmente são piores do que as penitenciárias porque em geral a estrutura física não é praquilo, não foi concebida para ter tanta gente, por tanto tempo. São grandes pra encher de gente. Falta médico, dentista, advogado, atendimento psicológico, roupa, comida de qualidade”.
O Centro de Detenção Provisória do Complexo de Pedrinhas, no Maranhão, também ganhou a mídia em 2014, quando mais de 15 homens foram encontrados mortos e mais de 100 fugiram.
Audiência de custódia
Ainda neste mês de fevereiro deve ser implementado em São Paulo um projeto piloto, de Audiência de Custódia. A ideia é que, dentro de 24 horas, o juiz entreviste o preso e ouça manifestações do seu advogado ou da Defensoria Pública, além do Ministério Público. Ele deve analisar se a prisão é necessária e poderá conceder a liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. Também poderá avaliar se houve tortura ou maus-tratos.
Na verdade, isso não é algo novo.
A audiência de Custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose. Caso não seja distorcido como a lei de 2011, deve começar uma mudança nesse cenário das prisões provisórias. Mas na opinião de quem trabalha com isso, é difícil de acreditar que uma política possa mudar um conceito maior, que está sob o guarda-chuva do encarceramento em massa.
“Qual é o centro do direito penal? A propriedade. Não é a vida. Quer ver? Para homicídio você tem uma pena que vai de 6 a 11 anos. Excepcionalmente quando qualificado você tem uma pena que vai pra 12 anos a 30. O roubo com arma já começa com no mínimo 5 anos e 4 meses. E há uma chance muito maior do homicídio simples ganhar o semi-aberto do que o roubo. Você pega o sequestro que a gente tem como um crime grave. O sequestro em si é um crime leve. Quando você coloca sequestro com objetivos libidinosos ele fica um pouco mais duro. Mas ele se torna um crime grave quando é extorsão mediante sequestro. Quando tem dinheiro é um crime ‘top’. O latrocínio já começa com 20 anos. Mesmo que não tenha sido intencional. Se na hora do roubo a vítima morre, mínimo de 20 anos. Se furtar uma coisa pequena sua ou se ele te der um soco e você ficar internado no hospital é a mesma coisa. Todo o direito penal, o epicentro dele é a propriedade privada. Então se o crime contra a propriedade é mais importante, é obvio que o pobre vai ser mais preso do que o rico” explica Semer.
E a coordenadora de pesquisa do Programa Justiça sem Muros do ITTC, Raquel da Cruz Lima, conclui: “A gente está chegando em um ponto insustentável. Mesmo o gestor mais entusiasta das prisões está em dificuldade. Faltam mais de 200 mil vagas e já se provou que com esse modelo não é possível. Essas alternativas que têm surgido também estão ligadas a essa insustentabilidade. Mas se o sistema continuar respondendo de forma dura, cruel, com a finalidade desse encarceramento compulsório, nada disso vai adiantar”.
_________________*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados
Assista ao minidoc do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania sobre Como se Prende no Brasil.
Texto original: CARTA MAIOR
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