Por Guilherme Coutinho, no blog Socialista Morena:
Um ano atrás, o MPF (Ministério Público Federal), por meio de seu membro-celebridade Deltan Dallagnol, afirmou ter “convicção” da culpabilidade de Lula em uma bizarra apresentação de Power Point, onde não foram apresentadas provas de nenhuma sorte. A imagem do slide do atrapalhado procurador viralizou na internet e se tornou símbolo maior do esforço desmedido (e, por vezes, descabido) de prender o ex-presidente líder de pesquisas eleitorais.
Essa semana, o MPF voltou a utilizar um termo que reforça a falácia de uma culpabilidade sem provas e confunde o cidadão (e eleitor) menos atento: segundo eles, recibos apresentados por Lula seriam sem dúvida “ideologicamente falsos”. Os recibos em questão dizem respeito ao apartamento vizinho ao que mora o ex-presidente em São Bernardo do Campo (SP). Segundo o MPF, Lula seria o real dono do imóvel, que teria sido adquirido pela construtora Odebrecht como contraprestação de favorecimentos em contratos.
Inicialmente, é importante frisar que não foi encontrada nenhuma ilicitude de fato nos documentos apresentados pela defesa: as assinaturas de Glaucos da Costamarques conferem com a original e estão direcionadas à dona Marisa Letícia, responsável legal pela locação. Até onde se sabe, os documentos são materialmente autênticos e não foram forjados. Aqui entra, dessa forma, o termo “ideológico”. Segundo a doutrina do direito penal, um documento pode ser falso, ainda que materialmente sem vícios, quando o fato do qual gera a confiabilidade do documento é comprovadamente improcedente.Não foi encontrada nenhuma ilicitude de fato nos documentos apresentados pela defesa de Lula e sim a velha convicção
Ou seja, para declarar que os documentos seriam ideologicamente falsos, o MPF teria que já ter comprovações materiais de que Lula seria o dono de fato do imóvel e ainda que o referido apartamento teria sido fruto de atividades ilícitas praticadas pelo ex-presidente. Mas não há provas materiais e sim a velha convicção e alguns indícios.
Um dos motivos apontados, por exemplo, foi a alegação de que os valores não estariam na planilha de controle orçamentário da família de Lula. Tanto não havia provas que o Ministério público não indiciou Lula por falsidade ideológica: informou haver “incidente de falsidade”, ou seja, suspeita de que tenha havido o crime. Então, vemos aqui a grande incoerência da acusação: ao mesmo tempo em que divulgaram que os documentos seriam “sem margem a dúvidas” falsos, os procuradores não fizeram acusação alguma do crime relatado. Para piorar, solicitaram perícia para tentar encontrar vícios materiais nos documentos, diante da impossibilidade de, eles mesmos, os declararem improcedentes em plena conformidade com o direito.
Obviamente, antes da conclusão da auditagem –que, ressalte-se, nem foi autorizada até o momento– uma declaração como a que foi dada pelo MPF é insubsistente e irresponsável, mas infelizmente já gera efeitos esperados. A grande mídia já noticiou o fato amplamente; e o “ideologicamente falso” já soou como “documentos falsos” para grande parte dos cidadãos brasileiros. Fica difícil acreditar que não exista relação em uma matéria inócua e a tentativa de desconstruir aquele candidato que lidera com muita folga todas as pesquisas eleitorais para 2018. Dizer que não há margem para a dúvida e ao mesmo tempo solicitar perícia e acusar a defesa de apresentar documentos falsos, sem, contudo, indicar qual seria o ilícito de fato são mais do mesmo de um MPF que acusa com convicção, ignora provas e cansa de ter exposta a ideologia de seus membros na mídia e nas redes sociais.
A cada pesquisa eleitoral, uma nova acusação: assim tem sido o modus operandi de um órgão com status de Poder da República de seus procuradores que, diga-se de passagem, já manifestaram publicamente desejo de se candidatarem em 2018.
* Guilherme Coutinho é jornalista, publicitário e especialista em Direito Público. Autor do blog Nitroglicerina Política.
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