quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Menos miséria, mais violência

SE é o estado do Nordeste com menor índice de miseráveis


Marcos Cardoso é jornalista
Sergipe é o estado do Nordeste com menor índice de miseráveis, 6,3% de sua população. Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 2013. Índice bem inferior à média da região Nordeste, que foi a única das cinco do Brasil que manteve o ritmo de queda dos últimos 10 anos e conseguiu reduzir o número de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza. Mas mesmo sendo a única a seguir a curva descendente desde 2003, a região ainda concentra mais da metade dos indigentes do Brasil e é a única que tem percentual de dois dígitos de pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza: 10,5% — dobro da média nacional, de 5,2%.

No ano passado, 134 mil sergipanos eram considerados miseráveis, contra 266 mil em 2008. Ou seja, em apenas cinco anos o número de miseráveis caiu à metade. O Maranhão, que passou a ser o estado com o maior número proporcional de miseráveis, tem 18% de sua população nessa condição, seguido de Alagoas, com quase 13%.

No Brasil, após uma década de queda na miséria, o número de brasileiros em condição de extrema pobreza voltou a subir em 2013. O país tinha 10,45 milhões de miseráveis em 2013, contra 10,08 milhões um ano antes, aumento é de 3,7%. O cálculo leva em conta o número de indivíduos extremamente pobres com base nas necessidades calóricas – o que significa renda insuficiente para consumir uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias para suprir uma pessoa de forma adequada, com base em recomendações da FAO e da OMS.

Em compensação ao eventual aumento da miséria, o número de pessoas pobres, um nível acima na pirâmide social, caiu de 30,35 milhões em 2012 para 28,69 milhões em 2013 – uma redução de 5,4%. Na condição de pobreza, o estudo considera pessoas com renda equivalente ao dobro da linha da miséria.

Dado socioeconômico também relevante é que o PIB dos brasileiros está crescendo muito mais do que a economia. As últimas três Pnads — de 2011 até 2013 — indicam crescimento de 5,5% na renda dos brasileiros, no último ano crescimento de 3,5% acima da inflação, enquanto o PIB do país cresceu apenas 0,8%. Pnad é Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE.

Mas o Brasil, Sergipe em particular, apresenta uma contradição terrível e perversa: inversamente proporcional à redução da miséria, a violência cresce sem trégua. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com apoio da Open Society Foundations, Fundação Getúlio Vargas, CAF- Banco do América Latina, 2014) contabiliza quase 51 mil homicídios dolosos e quase o mesmo número de estupros em 2013. Números maiores que os do ano anterior, apesar do crescimento dos homicídios pouco superior a 1%.

O dado mais alarmante para os sergipanos é que, de um ano para o outro, o número de homicídios dolosos cresceu quase 10%, atingindo 880 assassinatos em 2013. Isso eleva a taxa de homicídios em Sergipe para 40 por 100 mil habitantes, colocando o estado na triste posição de quarto mais violento do país, atrás apenas de Alagoas, Ceará e Espírito Santo, nessa ordem.

Aracaju já consta na relação das 50 cidades mais violentas do mundo, todas localizadas na África e, principalmente, nas Américas, incluindo quatro cidades dos Estados Unidos (Detroit, Nova Orleans, Beltimore e St. Louis) consideradas até mais violentas do que a capital de Sergipe.

A taxa de homicídios no Brasil, que é altíssima, considerada endêmica, é de 25/100 mil. Em Alagoas, são lamentáveis 65/100 mil. Neste belo e atrativo país. A cada 10 minutos uma pessoa é assassinada e ao menos 6 pessoas foram mortas por dia pelas polícias brasileiras em 2013. O que não quer dizer que os policiais também não sejam vítimas: 490 foram assassinados no ano passado, quase 82% deles em serviço.

As vítimas de toda essa violência são em sua maioria homens (94%), jovens (53%) e negros (68%).

A solução para esse descalabro passa pela recuperação da confiança nas nossas instituições. O brasileiro sabe que é fácil desobedecer às leis do país, pelo menos é o que responderam 81% dos entrevistados em uma pesquisa da FGV. Quando precisaram da polícia, 62% declararam-se insatisfeitos com o serviço prestado. Somente 33% dos entrevistados confiam no Judiciário, menos do que os que confiam na polícia (33%) e no Ministério Público (48%).

Apenas 59% dos brasileiros acreditam que a maioria dos juízes é honesta e 51% acreditam que a maioria dos policiais é honesta. Por que será que quase metade da população não confia nesses homens?

E o problema não é de investimento. Aqui se gasta 1,26% do PIB com Segurança Pública, proporcionalmente mais do que os Estados Unidos, onde a taxa de homicídios é de 4,7/100 mil, e quase o dobro do que o Chile, onde a taxa de homicídios é de invejáveis 3,1/100 mil.

O Brasil gastou R$ 258 bilhões, em 2013, com custos sociais da violência, segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas. Esse gasto equivale a 5,4% do PIB brasileiro. Mas R$ 114 bilhões de todos esses recursos são decorrentes de perdas humanas, ou seja, de vidas perdidas, segundo estima o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Enquanto isso, o Congresso Nacional, nos últimos 4 anos, aprovou 35 projetos ligados à área da segurança pública, sendo que 43% desses dedicados a temas de interesse exclusivamente corporativo das instituições policiais. Foram poucos os projetos que cuidaram de organizar o sistema de segurança e justiça criminal, a exemplo do que criou o SINESP – Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública, de 2012.

A publicação conclui que são números muito eloquentes para traçar “um cenário de crise endêmica, que exige que o país encare definitivamente o fato de que mudanças se fazem urgentes na arquitetura institucional encarregada de dar respostas públicas ao crime e à violência, bem como garantir direitos e paz”.

“O fato é que o nosso sistema de justiça e segurança é muito ineficiente em enfrentar tal realidade e funciona a partir de um paradoxo que mais induz a antagonismos do que favorece a indução de cooperação e a troca de experiências. Paradoxo esse que, por um lado, nos faz lidar cotidianamente com elevadas taxas de impunidade, erodindo a confiança nas leis e nas instituições”, diz o Anuário, propondo que o nosso sistema de justiça e segurança necessita de reformas estruturais mais profundas. “E não se trata de defendermos apenas mudanças legislativas tópicas ou, em sentido inverso, focarmos apenas na modernização gerencial das instituições encarregadas em prover segurança pública no Brasil. Temos que modernizar a arquitetura institucional que organiza as respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos”.

As melhores práticas na redução da violência e da criminalidade, observa a publicação, têm se concentrado sobre o tripé: aproximação com a população, uso intensivo de informações e aperfeiçoamento da inteligência e da investigação.

“A questão é que tais práticas, sozinhas, não conseguem dar conta de um elemento central que é a carência de coordenação, de integração e de articulação, marcas registradas da segurança pública brasileira e da arquitetura jurídica que embasa as políticas públicas no país”, encerra.

Texto original neste endereço:
http://www.infonet.com.br/marcoscardoso/ler.asp?id=166258

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