quinta-feira, 17 de julho de 2014

Arquitetura hostil: as cidades contra os seres humanos

Em Londres, espetos antimendigos, bancos contra skatistas e namorados expõem o horror de certos urbanistas e autoridades a interações pessoais.

Benn Quinn, do Guardian

Chama-se banco Camden, por causa do distrito londrino que primeiro encomendou esses bancos esculpidos em cimento cinzento, que podem ser encontrados nas ruas da capital inglesa. A superfície inclinada dos bancos, resistente a pichações, foi desenhada para afastar tanto os sem-abrigo como os skatistas.

Ainda que menos óbvios do que os espetos “antimendigo” de aço inoxidável que apareceram há pouco, do lado de fora de um prédio residencial de Londres, estes bancos fazem parte de uma produção recente da arquitetura urbana planejada para influenciar o comportamento público.

É conhecida como “arquitetura hostil”.

Os skatistas tentam subverter os bancos fazendo aquilo que sabem melhor. “Hoje estamos a mostrar que ainda se pode andar de skate aqui”, disse Dylan Leadley-Watkins, que moderou os ânimos depois de se lançar com o seu skate sobre um dos bancos no Covent Garden. “O que quer que as autoridades façam para tentar destruir o espaço público, não poderão se livrar das pessoas que frequentam a área sem ter que gastar dinheiro e fazer algo que elas gostem.”

As ações dos skatistas e daqueles que se indignaram com os espetos – removidos depois de uma petição online ter conseguido 100 mil assinaturas e o prefeito de Londres, Boris Johnson, ter aderido às críticas – chegam num momento em que muitos argumentam que as cidades estão tornando-se ainda menos acolhedoras para certos grupos sociais.

Além dos dispositivos antiskate, os parapeitos das janelas ao nível do chão têm sido “enfeitados” com pontas ou espetos para impedir que as pessoas se sentem; assentos inclinados nas paragens de autocarro desencorajam a permanência e os bancos são divididos com apoio para os braços para evitar que as pessoas se deitem neles.

Acrescentem-se a essa lista as áreas com pavimentação irregular, desconfortável, as câmaras de circuito fechado com alto-falantes e os intimidantes sonoros “antiadolescentes”, como o uso de música clássica nas estações e os chamados dispositivos mosquito, que emitem sons irritantes de alta frequência que só os adolescentes conseguem ouvir.


Novos bancos em frente às Cortes Reais de Justiça na região 
central de Londres. Foto: Linda Nylind

“Uma grande parte da arquitetura hostil é acrescentada posteriormente ao ambiente da rua, mas é evidente que “quem nós queremos neste espaço, e quem nós não queremos” é uma questão considerada desde cedo, no estágio do design”, diz o fotógrafo Marc Vallée, que tem documentado a arquitetura antiskate.

Outros enfatizam o valor do design do ambiente na prevenção do comportamento criminoso, insistindo que o tempo das soluções brutas como os espetos de aço já passou.

“Os espetos são parte de uma estética de fortaleza, já ultrapassada e nada bem-vinda nas comunidades para as quais o design urbano precisa ser inclusivo”, diz Lorraine Gamman, professora de design na Central St Martins (Faculdade de Artes e Design) e diretora do centro de investigação Design Contra o Crime, da mesma faculdade.

“Se quisermos usar o design para reduzir comportamentos antissociais, a democracia deve ser visível no design para a prevenção do crime que incorporamos nas nossas ruas”, diz. “Não tenho problemas com o banco Camden – cuja estética outros têm criticado – mas em muitos lugares, os bancos, casas de banho e caixotes do lixo parecem ter sido removidos para reduzir crimes presumíveis, às custas da maioria das pessoas, que costuma respeitar a lei”.

Inovações atualmente em desenvolvimento na Central St Martins incluem “arte para ATM” – marcadores de piso que visam aumentar a privacidade e a segurança dos utilizadores de caixas multibanco.

Outros criaram projetos relacionados com o graffiti (“Graffiti Dialogues”), cabides antifurto para pendurar bolsas e mochilas nos bares e cafés e o suporte Camden para bicicletas, que facilita a vida do ciclista por manter a bicicleta na posição vertical e prender as duas rodas e o quadro ao suporte. 

Picos para evitar que as pessoas se sentem em Euston,
zona central de Londres. Foto de Linda Nylind
A indignação contra as formas mais grosseiras de arquitetura hostil está a crescer. Há semanas, ativistas meteram cimento em cima dos espetos instalados em frente de uma unidade da rede de supermercados Tesco na região central de Londres. A empresa disse que pretendia prevenir comportamentos antissociais e não afastar sem-abrigos, mas concordou, dias depois, em retirar os espetos.

O historiador de arquitetura Iain Borden disse que o surgimento da arquitetura hostil tem as suas raízes no design urbano e na gestão do espaço público dos anos 1990. Esse aparecimento, afirmou ele, “sugere que somos cidadãos da república apenas na medida em que estamos a trabalhar ou a consumir mercadorias diretamente”.

“Por isso é aceitável, por exemplo, ficar sentado, desde que você esteja num café ou num lugar previamente determinado onde podem acontecer certas atividades tranquilas, mas não ações como realizar performances musicais, protestar ou andar de skate. É o que alguns chamam de ‘shoppinização’ do espaço público: tudo fica parecendo um shopping”.

Rowland Atkinson, co-diretor do Centro para a Investigação Urbana da Universidade de York, sugere que os espetos e a arquitetura relacionada são parte de um padrão mais abrangente de hostilidade e desinteresse em relação à diferença social e à pobreza produzida nas 
Banco em Euston Road, zona central de Londres. Foto de Linda Nylind

“Sendo um pouco cínico mas também realista, é um tipo de ataque aos pobres, uma forma de tentar deslocar a sua angústia”, diz. “São vários processos que se somam, incluindo os processos econômicos que tornam as pessoas vulneráveis em primeiro lugar, como o imposto por quarto extra e os limiares do bem-estar, mas o próximo passo parece ser afirmar que ‘não vamos permitir que se acomode nem mesmo da forma mais desesperada’.”
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A tradução é de Maria Cristina Itokazu.

Créditos da foto: Lisa Nylind

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