Enquanto a prudência pediria do STF um momento a mais de reflexão, a certeza exigiria que os réus-condenados tivessem o direito de serem presos após o esgotamento de todos os recursos
Por: *Luiz Guilherme Arcaro Conci - Marcello Casal Jr./Agência Brasil | No: CartaCapital
A aplicação do direito pelos juízes deve ser norteada não somente pelo direito interno e internacional, mas também por dois valores: a prudência e a certeza.
A prudência, que difere da sabedoria, deve ser tomada como a necessidade de ter em conta os diversos ângulos da decisão jurídica, os instrumentos para operacionalizá-la e os efeitos que dela decorrerão. Exige que se reflita antes de decidir sobre os lados e pontos envolvidos, que se assuma como autoridade importante para dizer o direito, mas não somente o direito do caso concreto, mas, ainda, o direito como deve ser interpretado pelos demais intérpretes em outros casos e situações. O juiz cria direito e por isso tem aumentada a sua responsabilidade, principalmente em corte mais alta.
A certeza deve ser entendida como uma exigência de que a decisão judicial aponte antecipabilidade, que um tribunal decida sem sobressaltos ou alterações a todo momento a depender dos casos, que se perceba uma linearidade em seus julgados. Isso diferencia a certeza, que tem na jurisprudência um dos seus pilares, da casuística exacerbada, da decisão forjada nos moldes diversos dos diversos casos, que não permite ao intérprete-analista antecipar resultados, tendo em vista que não há qualquer ponto de contato entre uma decisão tomada e a outra seguinte.
Assim, pode-se pensar que os juízes também criam uma doutrina racional para os leitores que lhes permite conhecer o que pensam sobre temas diversos, o que alimenta os estudos teóricos e práticos de modo a fazer com que o tribunal e seus juízes sejam conhecidos pelo que pensam e não pelo modo como mudam muito corriqueiramente seus pensamentos e decisões. O juiz tem amarras como a autocontenção não somente pelas decisões de outros tribunais mas pelas suas próprias decisões.
No caso da AP 470, parece-me que os dois temas foram excessivamente negligenciados. A prudência, que exigiria do STF um momento a mais de reflexão, sem açodamento, que percebesse o risco da decisão que tomara, de antecipação da execução de penas sem que réus com recursos pendentes tivessem-nos todos julgados. Que mandados de prisão expedidos para esses réus (pois lhes restam recursos a serem julgados) fossem julgados antes da prisão. Que não se admitisse que réus condenados a regime mais brando (semiaberto) ficassem presos, um minuto sequer, em outro mais gravoso (fechado). Não há qualquer justificativa jurídica ou moral para isso. E que o dinheiro público não fosse gasto para trazer réus das mais diversas localidades do território à Capital Federal, sem respeitar o direito de ficarem presos em seus locais de residência, unicamente para algumas fotos nos jornais ou matérias televisivas. Que a ineficiência do estado e eventual má-fé de servidores servissem para sanar todos os arroubos praticados com o fim de dar uma resposta aos sanguinários de plantão.
A certeza exigiria que os réus-condenados tivesses os mesmos direitos do deputado Natan Donadon, que somente foi preso pelo mesmo tribunal alguns meses antes após o esgotamento de todos os seus recursos. Ou que o STF seguisse a sua jurisprudência, firmada em muitos casos, dentre eles o HC 84.078-MG, de 2009, quando o plenário do STF, o mesmo que proferiu decisão na semana passada, decidiu que há um direito fundamental a recorrer em liberdade até o esgotamento dos recursos, tendo em vista a presunção de inocência que deve ser garantida como consentânea do devido processo legal.
Prudência e certeza têm sido esquecidas nos últimos tempos. São dois valores que precisamos resgatar imediatamente, para própria manutenção da confiança nos tribunais, especialmente, no mais alto, o STF.
Por fim, ainda sobre o “mensalão”, um ponto que precisa, agora, ser retocado. Em que pese todos os avanços da Constituição brasileira em matéria de direitos fundamentais, nosso sistema admite, em casos nos quais o STF funciona como única e última instância, que réus sejam julgados e condenados por único julgamento, sem direito a um recurso analisado por outro tribunal. Trata-se de uma previsão constitucional que viola o direito internacional dos direitos humanos, especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (ou Pacto de São José da Costa Rica), em seu artigo 8, 1, “h”, tal qual interpretado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Barreto Neiva v. Venezuela. A falibilidade humana exige outro julgamento por outro tribunal. Precisamos de uma reforma constitucional para adequar nossa constituição ao parâmetro firmado internacionalmente, pois se trata de atribuir, a todos e qualquer réu, uma proteção mais eficiente (princípio pro persona) que aquela proporcionada pela Constituição brasileira.
* Luiz Guilherme Arcaro Conci é coordenador do curso de especialização em direito constitucional da PUC-SP e presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
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