quinta-feira, 29 de outubro de 2015

MTST esclarece confronto com fascistas


Por Altamiro Borges

O clima esquentou no gramado diante do Congresso Nacional na tarde desta quarta-feira (28). Cerca de 120 ativistas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que foram a Brasília protestar contra a votação da chamada "lei antiterrorismo" - que criminaliza os movimentos sociais -, entrou em confronto com os engravatados do Movimento Brasil Livre (MBL), um grupo direitista que prega o impeachment de Dilma e a volta dos militares ao poder. Houve bate-boca e empurra-empurra. A mídia golpista, que nunca criticou as hostilidades e as agressões patrocinadas pelos fascistas mirins, já tenta manipular as informações para satanizar o MTST e endeusar os "coxinhas" do MBL.

Em seu site, o jornal O Globo - que nunca escondeu o seu ódio aos movimentos sociais - garante que "a briga começou depois que os sem-teto decidiram acampar ao lado dos manifestantes do MBL, que já estão acampados no gramado do Congresso Nacional desde quinta-feira passada". Ele até divulga um vídeo gravado pelos fascistas mirins, que posam de vítimas inocentes, mas não publica a nota do MTST, divulgada em seu site oficial, com a sua versão sobre o episódio. A manipulação é descarada!

Segundo o jornalão da famiglia Marinho, os sem-teto "invadiram" uma área já ocupada pelos "jovens" pacíficos do MBL. Nem sequer a decisão da própria Polícia Legislativa foi divulgada. Foi ela quem determinou que os dois movimentos ocupassem o mesmo espaço no gramado. O site Congresso em Foco, que não pode ser acusado de simpatizante do MTST, informa que esta ordem "foi confirmada pela reportagem com policiais que estavam no local". 

O Globo também omite que Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal e herói dos fascistinhas mirins, autorizou a montagem das 30 barracas do MBL no gramado diante do Congresso. A ocupação deste local estava terminantemente proibida para qualquer movimento desde 2001, mas foi violada pelo lobista amiguinho dos grupelhos golpistas mirins que pedem o impeachment de Dilma. Os sem-teto simplesmente aproveitaram a brecha aberta pelo correntista suíço. 

Reproduzo abaixo a nota dos sem-teto - que o jornal da famiglia Marinho preferiu não divulgar:

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O MTST organizou um ato no dia de hoje, 28/10, em frente ao Congresso Nacional, contra a aprovação da Lei Antiterrorismo de iniciativa do governo federal, que pretende criminalizar movimentos sociais.

No gramado do Congresso Nacional, encontramos representantes do dito Movimento Brasil Livre (MBL), que fizeram provocações e hostilidades aos lutadores do MTST.

Reagimos como deve se reagir com fascistas. O MTST permanecerá acampado em frente ao Congresso Nacional contra a Lei Antiterrorismo, denunciando as medidas do ajuste fiscal de Dilma e exigindo a saída de Eduardo Cunha.

Um provocador ligado ao MBL e parlamentares da direita buscaram dar dinheiro as pessoas que estavam na manifestação tentando descaracterizar e desmoralizar o movimento!

É o velho preconceito da elite, que quer construir a ideia de que as mobilizações do povo pobre são motivadas por interesses menores.

O gramado do Congresso não é propriedade dos coxinhas!


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Texto original: BLOG DO MIRO

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Uma justiça para a família Vaccari. Outra para a família Cunha

Por que Sérgio Moro pediu a prisão da cunhada do petista com base em uma falsa imagem e mantém livre a esposa de Cunha, titular de contas ilegais na Suíça?

Najla Passos

Coordenadora financeira do Centro Sindical das Américas, Marice Corrêa de Lima estava no Panamá, participando de um congresso da entidade, no dia 15 de abril deste ano, quando tomou ciência de que sua prisão temporária havia sido decretada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato. Foi quando ela soube também que seu cunhado, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, havia sido preso e sua irmã e esposa dele, Giselda de Lima, cumprira mandado de condução coercitiva.

Dada como foragida, Marice só soube das provas que pesavam contra ela dois dias depois, quando retornou ao país e se apresentou espontaneamente à Polícia Federal: o Ministério Público Federal (MPF) a identificou como a mulher que aparecia em imagens cedidas pelo Banco Itaú efetuando depósitos na conta de sua irmã, Giselda, em duas agências da capital paulista. Foi o suficiente para o juiz Sérgio Moro acatar a tese de que ela estaria ajudando Vaccari a lavar o dinheiro oriundo da corrupção.

No dia 20, o MPF chegou a pedir a conversão da sua prisão temporária em preventiva, para que ela ficasse detida por tempo indeterminado. "Tudo indica que Giselda [mulher de Vaccari] recebe uma espécie de 'mesada' de fonte ilícita paga pela investigada Marice, sendo que os pagamentos continuam sendo feitos até março de 2015. Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva", sustentaram os procuradores.

Marice negava. Mas o juiz Sérgio Moro estendeu a prisão temporária dela, que vencia no dia 20, por mais cinco dias. Ele teve que voltar atrás no dia 23, liberar a investigada e reconhecer o erro primário: uma perícia feita pela PF comprovou que não era Marice que aparecia nas imagens, mas a própria Giselda. A frágil prova jurídica apresentada pelo MPF, acatada pelo juiz e amplamente divulgada pela imprensa caíra por terra. “Elas são muito parecidas”, desculparam-se procuradores e juiz.

Dois pesos e uma medida

Situação bem diversa vive a família do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também acusado de envolvimento no mesmo esquema da Petrobrás, investigado pela mesma Operação Lava Jato. No dia 20 de agosto, a Procuradoria Geral da República (PGR) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de abertura de investigação contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de receber pelo menos US$ 5 milhões em propinas de uma empresa contratada pela estatal.

Na denúncia, a PGR pede que ele seja condenado por dois crimes de corrupção passiva e 60 operações de lavagem de dinheiro. Isso mesmo: 60 operações de lavagem de dinheiro. E não se tratam de depósitos fracionados em agências bancárias do Itaú, aqui mesmo no Brasil, mas de um esquema sofisticado que envolve contas em paraísos fiscais, empresas offshores e até a utilização de doações à igreja Assembleia de Deus de Madureira, no Rio de Janeiro, frequentada por Cunha.

Quatro das contas utilizadas por Cunha e seus familiares estão registradas no banco suíço Julius Baer. Três delas em nome de empresas offshores ligadas diretamente ao presidente da Câmara. Uma quarta aparece com o nome fantasia KOEK, mas um dossiê encaminhado pelo Ministério Público Suíço às autoridades brasileiras comprova que sua titular é a ex-apresentadora da TV Globo, Cláudia Cruz, esposa de Cunha. Uma das filhas do casal é registrada como dependente. Conforme o MP suíço, as quatro contas registraram entrada de cerca de R$ 31,2 milhões e saídas de R$ 15,8 milhões, entre 2007 e 2015, em valores corrigidos.

A conta movimentada por Cláudia vem sendo usada para sustentar, com o dinheiro da corrupção, alguns luxos pouco comuns à imensa maioria dos brasileiros. De janeiro de 2013 a abril de 2015, ela cobriu US$ 525 mil em débitos de um cartão de crédito. Outros US$ 316,5 mil foram destinados ao pagamento de um segundo cartão, em quatro anos. Uma famosa academia de tênis da Flórida, a IMG Academies, recebeu US$ 59,7 mil do montante. A família destinou US$ 8.400 à escola inglesa Malvern College e transferiu US$ 119,7 mil para a Fundacion Esade, da Espanha.

O processo contra Cunha foi parar no STF porque ele tem direito a foro privilegiado, o que não é o caso de Cláudia. As investigações contra ela, se é que já foram transformadas em denúncia, continuam na justiça comum, ou seja, nas mãos de Sérgio Moro, aquele rápido o suficiente para mandar prender a cunhada de Vaccari antes de saber se era ela, de fato, nas imagens que sustentavam a decisão.

O curioso é que mesmo com todas as provas enviadas ao Brasil pelas autoridades da Suíça, não se tem notícia de que ele sequer a tenha convocado para depor. Antes da PGR receber o dossiê do MP suíço sobre o casal, nenhuma acusação contra ela foi vazada para a imprensa. Será que o juiz que decretou a prisão da cunhada de Vaccari no afogadilho, com base em imagens que nem eram delas, não quer se arriscar a incomodar a mulher do poderoso chefe da Câmara?

Debate jurídico

Os erros, atropelos e excessos cometidos no âmbito da Operação Lava Jato têm suscitado um amplo debate jurídico no país. Há quem aplauda e quem condene o estilo do juiz Sérgio Moro de conduzir o processo. O que ninguém discorda é que - para usar um termo que se tornou bastante usual no mundo jurídico desde o chamado mensalão – ele esteja “inovando” em matéria legal. E o caráter seletivo de suas ações é, sem dúvida alguma, parte fundamental desta “inovação”.

Em palestra na capital norte-americana, no último dia 19, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, declarou que a Lava Jato é uma “revolução” no país. “As investigações têm sido muito bem conduzidas. Nós temos algumas sentenças, sentenças muito duras, alguns dos altos executivos do Brasil já foram condenados a passar 15 ou 20 anos na cadeia. É realmente algo novo", disse ele.

Mas há também quem conteste o estilo Moro. No dia 10 de outubro, em seminário promovido pela OAB, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Reis, criticou duramente a banalização de uma das principais “inovações” introduzidas pela operação: a utilização da delação premiada como jamais visto antes no país. “A delação está sendo banalizada. Tem mais colaborador do que réus na ‘lava jato’”, afirmou.

Ele também destacou que o instrumento gera seletividade nas condenações. “O Estado está abrindo mão do direito de punir em troca da condenação de três, quatro pessoas”, ressaltou. E condenou o vazamento seletivo das delações para a imprensa que, segundo ele, prejudica a defesa dos citados e pressiona os juízes que atuam no caso a condenarem os acusados.

Uma pesquisa realizada pela revista Consultor Jurídico e divulgada no último dia 15 mostrou que todas as delações firmadas no âmbito da Lava Jato violam a Constituição e as leis penais. A revista analisou 23 acordos homologados por Moro e descobriu que eles preveem, por exemplo, que nem mesmo os advogados de defesa tenham acesso às transcrições dos depoimentos do delator, que ficam restritas ao Ministério Público Federal e ao juiz, o que viola o principio do contraditório e o direito à ampla defesa.

O estudo também mostra que os acordos impedem os delatores contestarem suas sentenças judicialmente, o que viola o direito de ação (artigo 5º, XXXV), que assegura que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Judiciário. E ainda que, tal como o Ato Institucional nº 5, editado durante a ditadura militar, os acordos da Lava Jato vedam completamente aos réus a possibilidade de impetração de habeas corpus, entre outras críticas apontadas.

Operadores do direito têm criticado também a mão pesada e seletiva do juiz Sérgio Moro para determinar prisões, ainda que de forma diferente para os diferentes envolvidos, no país que vive o dilema de possuir a quarta maior população carcerária do mundo e desrespeita com frequência as garantias individuais previstas pela própria Constituição. Não por acaso, por conta da sua atuação na Lava Jato, Moro virou o garoto-propaganda de um projeto de lei apresentado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) ao Senado que prevê a prisão de réus condenados em 2ª instância antes mesmo da conclusão do devido processo legal.

Em audiência pública realizada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a proposta, ele foi rechaçado por seus pares, que defenderam é possível avançar no combate à corrupção sem reduzir as garantias individuais previstas na Constituição. No debate, o juiz Rubens Casara, especialista em direito processual penal, que citou diretamente a Lava Jato ao operar suas críticas ao projeto defendido por Moro, lembrou que tanto no fascismo clássico italiano, quanto no nazismo alemão e no stalinismo soviético, a presunção de inocência foi relativizada.

O magistrado não tocou no episódio que envolveu Marice e nem em nenhum outro, mas sustentou que a presunção da inocência é importante porque os juízes erram muito e por motivos diversos. Entre eles, citou, inclusive, a pressão da mídia e o medo de serem tarimbados como “petralhas”. “Falta coragem para decidir contra a opinião pública, que muitas vezes não passa da opinião publicada pela imprensa”, ressaltou.

Elmir Duclerc Ramalho Junior, promotor na Bahia e professor de direito processual penal, reforçou que o projeto - inspirado na atuação de Moro na Lava Jato – está impregnado pelo autoritarismo. “Há uma tendência autoritária perigosa que lembra, sim, períodos autoritários da história da humanidade”, afirmou. Ele destacou que a população carcerária brasileira cresceu 16 vezes mais do que a população do país. “Não há malabarismo hermenêutico possível para dizer que não há a incorporação de um pensamento autoritário neste projeto”, disse.

Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da USP, Maurício Stegemann Dieter fez uma das críticas mais agressivas ao projeto e ao seu garoto-propaganda. De acordo com ele, o projeto está centrado em uma espécie de “populismo midiático”, que dispensa o conhecimento científico para se calcar no senso comum. Ele lembrou que nunca se prendeu tanta gente na história do país, inclusive gente do andar de cima, como políticos e donos de empreiteiras. Por isso, ele classifica como delírio a premissa que embasa o projeto e o discurso de Moro: a de que o “Brasil é o país da impunidade”.

Um quase epílogo

No dia 20 de setembro passado, João Vaccari Neto foi condenado por Moro a 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa, pelo recebimento de pelo menos R$ 4,26 milhões em propina de contratos da Petrobras. Mas como os processos da Lava Jato correm em segredo de justiça e a imprensa só tem acesso ao que convém para seus condutores, ainda é difícil saber se há, de fato, provas contra Marice e Giselda, como sustentava o MPF em abril deste ano.

Pode ser que sim. A revista Veja, um dos veículos presenteados com vazamentos seletivos do processo, diz que, entre 2008 e 2014, entraram R$ 322,9 mil na conta de Giselda, em vários depósitos parcelados. Segundo O Estado de S. Paulo, outro destinatário dos vazamentos seletivos, Marice teria recebido, em dezembro de 2013, propina da empreiteira OAS, alvo da investigação sobre corrupção e desvios na Petrobrás. Mas ambos os veículos também disseram que Marice era a mulher que aparecia fazendo depósitos nas agências do Itaú. Então, fica difícil ter certeza de qualquer coisa.

Mesmo atolado em denúncias de corrupção, manobras e desmandos de todo tipo, Cunha continua presidindo a Câmara dos Deputados do país. É o segundo na linha de sucessão da presidenta Dilma Rousseff e o homem que irá decidir se o parlamento acolherá ou não seu pedido de impeachment, como pleiteia a oposição. O processo contra ele continua a tramitar no STF, agora sob sigilo. Partidos como o PSOL, Rede, PT e PSB já pediram a cassação do seu mandato, mas ele se recusa, inclusive, a deixar a presidência da Câmara. De Cláudia Cruz, não se tem nenhuma noticia. Continua livre, leve e solta.
Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

RBS, afiliada da Globo, pagou R$ 11,7 milhões para conselheiro do CARF

A Operação Zelotes apura o envolvimento de funcionários públicos e empresas no esquema de fraude fiscal que pode ter causado um prejuízo de R$ 19,6 bilhões

Najla Passos

Documentos sigilosos vazados nesta quinta (22) comprovam que o Grupo RBS, o conglomerado de mídia líder no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pagou R$ 11,7 milhões à SGR Consultoria Empresarial, uma das empresas de fachada apontadas pela Operação Zelotes como responsáveis por operar o esquema de tráfico de influência, manipulação de sentenças e corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que julga administrativamente os recursos das empresas multadas pela Receita Federal. 

A SCR Consultoria Empresarial é umas das empresas do advogado e ex-conselheiro do CARF, José Ricardo da Silva, indicado para compor o órgão pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apontado pela Polícia Federal (PF) como o principal mentor do esquema. Os documentos integram o Inquérito 4150, admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na  última segunda (19), que corre em segredo de justiça, sob a relatoria da ministra Carmem Silva, vice-presidente da corte. 
Conduzida em parceria pela PF, Ministério Público Federal (MPF), Corregedoria Geral do Ministério da Fazenda e Receita Federal, a Operação Zelotes, deflagrada em março, apurou o envolvimento de funcionários públicos e empresas no esquema de fraude fiscal e venda de decisões do CARF que pode ter causado um prejuízo de R$ 19,6 bilhões aos cofres públicos. Segundo o MPF, 74 julgamentos realizados entre 2005 e 2013 estão sob suspeição. 
As investigações apontam pelo menos doze empresas beneficiadas pelo esquema. Entre elas a RBS, que era devedora em processo que tramitava no CARF em 2009. O então conselheiro José Ricardo da Silva se declarou impedido de participar do julgamento e, em junho de 2013, o conglomerado de mídia saiu vitorioso. Antes disso, porém, a RBS transferiu de sua conta no Banco do Rio Grande do Sul, entre setembro de 2011 e janeiro de 2012, quatro parcelas de R$ 2.992.641,87 para a conta da SGR Consultoria Empresarial no Bradesco. 
Dentre os documentos que integram o Inquérito 4150 conta também a transcrição de uma conversa telefônica entre outro ex-conselheiro do Carf, Paulo Roberto Cortez, e o presidente do órgão entre 1999 e 2005, Edison Pereira Rodrigues, na qual o primeiro afirmava que José Ricardo da Silva recebeu R$ 13 milhões da RBS. “Ele me prometeu uma migalha no êxito. Só da RBS ele recebeu R$ 13 milhões. Me prometeu R$ 150 mil”, reclamou Cortez com o então presidente do Carf.
Suspeitos ilustres
Os resultados das investigações feitas no âmbito da Operação Zelotes foram remetidos ao STF devido às suspeitas de participação de duas autoridades públicas com direito a foro privilegiado: o deputado federal Afonso Motta (PDT-RS) e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. O deputado foi vice-presidente jurídico e institucional da RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul. Os termos de sua participação no esquema ainda são desconhecidos.
Nardes, mais conhecido por ter sido o relator do parecer que rejeitou a prestação de contas da presidenta Dilma Rousseff relativa ao ano de 2014, por conta das polêmicas “pedaladas fiscais”, é suspeito de receber R$ 2,6 milhões da mesma SGR Consultoria, por meio da empresa Planalto Soluções e Negócios, da qual foi sócio até 2005 e que ainda hoje permanece registrada em nome de um sobrinho dele.
Processo disciplinar
Nesta quinta (22), a Corregedoria Geral do Ministério da Fazenda anunciou a instalação do primeiro processo disciplinar suscitado pelas investigações da Operação Zelotes. Em nota, o órgão informou que o caso se refere a uma negociações para que um conselheiro do CARF pedisse vistas de um processo, sob promessa de vantagem econômica indevida, em processo cujo crédito tributário soma cerca de R$ 113 milhões em valores atualizados até setembro.

Com informações do Correio do Povo


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O delator, a nora de Lula e uma história mal contada

A delação de Fernando Baiano deixa mais dúvidas do que certezas

por Henrique Beirangê — publicado 21/10/2015 19h01, última modificação 22/10/2015 09h35


Não cabe à imprensa advogar em nome de ninguém, mas também é necessário o exercício da honestidade intelectual para se aproximar da veracidade dos fatos.
Se o ex-presidente Lula foi o “grande chefe do esquema” como parte da imprensa deseja, que seja preso, assim como todos que se beneficiaram do saque a Petrobras, investigado pela Operação Lava JatoAté o momento, no entanto, não há nenhuma prova concreta da materialidade do seu envolvimento.
Não foi encontrada no nome de Lula nenhuma conta na Suíça, como ocorreu com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Também não foram identificados pagamentos diretos como para o senador Fernando Collor (PTB-AL) ou para o ex-deputado petista André Vargas (PR).
O Estado Democrático de Direito se consolida quando a lei é aplicada com isonomia para todos, independentemente do posto e da coloração partidária ocupados. Mas, em nome da busca pela “verdade”, a imprensa tem o dever de entregar à sociedade a informação sem sensacionalismo, mesmo que pressionada pelo afã do “furo jornalístico”.
O depoimento do lobista Fernando Soares, o Baiano, foi divulgado por toda a imprensa mostrando a revelação de um suposto pagamento de 2 milhões de reais a uma nora de Lula, sugerindo o envolvimento do ex-presidente no esquema Petrobras. O depoimento traz uma confusão entre alhos e bugalhos, entretanto, reforçada pelo fato de que boa parte dos leitores para de ler no primeiro parágrafo da notícia, quando não leem apenas o título da matéria.
Assim, a história ficou apresentada de forma enviesada.
A informação é baseada no termo de delação 15, concedido à Procuradoria-Geral da República. A íntegra do texto pode ser lida, mas, resumindo-se: Lula teria intercedido em uma concorrência de aquisição de navios sondas para a Sete Brasil, empresa que tem entre seus investidores a Petrobras, para que a OSX, de Eike Batista, levasse o contrato. Baiano, representante dos interesses da OSX, conta que procurou o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, para que ele interviesse na compra dos navios.
Como o próprio Baiano afirma, Bumlai e o presidente da Sete Brasil, José Carlos Ferraz, teriam procurado Lula para que a OSX levasse os contratos. Não há no depoimento nenhum trecho em que Lula aparece dizendo que fraudaria a licitação.
Cabe lembrar também que empresa de Eike não ganhou a concorrência e ficou de fora das compras. Então, se OSX não ganhou nenhum centavo com a aproximação com Lula, por qual motivo, razão ou circunstância a nora de Lula receberia dinheiro de Bumlai?
Baiano disse que Bumlai afirmou a necessidade de 3 milhões de reais como adiantamento da comissão do futuro contrato (que acabou não sendo firmado) para saldar uma dívida com a nora de Lula. Baiano deu o dinheiro, na confiança (na verdade pouco menos de 2 milhões de reais), mas não ganhou nada com a aproximação de Bumlai. Tanto é que Baiano sentiu ter "levado um cano". Assim, procurou o pecuarista para pegar o dinheiro de volta, mas nunca viu um centavo por conta da aproximação com Lula.
Diante desta confusa história, fica claro que, se o presidente esteve envolvido na fraude da estatal, ainda há muito a ser investigado. É importante que se vá, mesmo, até as últimas consequências.
Cabe notar, também, que pagar propina por um serviço que nunca foi entregue, no entanto, não faz o mínimo de sentido.

Em São Paulo, temos o testemunho de casos como o da fraude do Metrô, nos quais ninguém foi preso, não houve delações premiadas e todos gozam da mais plena impunidade. Ainda assim, se a República tiver de ser passada a limpo, mesmo que seletivamente, que façamos isso fundamentados na verdade dos fatos e não em falsas manchetes plantadas por uma parcela da imprensa que se porta de maneira partidária.
Texto original: CARTA CAPITAL

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Sheherazade "adota" Eduardo Cunha!

Por Altamiro Borges

Em fevereiro de 2014, a apresentadora Rachel Sheherazade, já famosa por suas opiniões direitistas no SBT, gerou revolta nas redes sociais ao justificar uma cena de barbárie no Rio de Janeiro. Na ocasião, um grupo de "justiceiros" - depois identificados como jovens criminosos da classe média - aprisionou um rapaz negro a um poste. Empolgada, a "jornalista" apoiou o ato de selvageria e ainda esbravejou ao vivo. "Aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho no poste, lanço uma campanha: 'Faça um favor ao Brasil. Adote um bandido". Já nesta sexta-feira (16), ela postou em seu blog um texto em defesa do Eduardo Cunha. Num gesto de coerência, ela adotou o lobista!

Na postagem intitulada "Boi de Piranha", a âncora do SBT não esconde o motivo desta adoção. Para ela, nem as provas das contas secretas na Suíça justificam "prender no poste" o presidente da Câmara Federal. Todo o alarde sobre seus escândalos de corrupção não passaria de uma trama das forças de esquerda. "Ávidos para blindar Dilma Rousseff de um processo de impeachment na Câmara, o PT e o seu 'puxadinho ideológico', o PSOL, continuam em seu périplo pelos corredores colhendo assinaturas para pedir o afastamento do presidente da casa, Eduardo Cunha, arqui-inimigo da petista".

A equilibrada jornalista, defensora do linchamento de jovens negros, segue na argumentação. "Dilma nunca engoliu Cunha. Era seu mais ferrenho opositor. Venceu a eleição da mesa diretora derrotando, de forma acachapante, o candidato do governo, que, fatalmente, transformaria o Poder Legislativo num capacho do Executivo. Desde então, o presidente da Câmara tornou-se o malvado favorito das esquerdas". Já sobre as contas secretas na Suíça, Rachel Sheherazade pede calma aos seus seguidores. "No que diz respeito ao presidente da Câmara, tudo está ainda no campo das suspeitas. Verdade seja dita: Eduardo Cunha não é réu até que o inquérito se torne processo judicial, não é culpado, até que a Justiça diga o contrário. Por enquanto, o presidente da Câmara não passa de um investigado".

Sempre serena e sensata, ela faz questão de realçar o papel histórico do lobista. "Apesar de todos os ataques, Cunha ainda resiste e tem nas mãos um trunfo poderosíssimo contra o governo. É dele, e somente dele, o poder de aceitar ou recusar um pedido de afastamento da presidente da República.
Eis o interesse do PT e seus congêneres na sua cassação: sepultar a possibilidade do impeachment da presidente. Para não ser abatido, o governo quer aniquilar seu maior algoz, livrando-se do julgamento político... Eduardo Cunha se tornou o boi de piranha perfeito. Enquanto é devorado pelos inimigos, o rebanho de corruptos atravessa o rio, imune, ileso, impune! E os idiotas, úteis ao projeto criminoso do poder, aplaudem". Preocupada com o futuro do lobista, Sheherazade resolveu "adotá-lo". Que lindo!

Texto original: BLOG DO MIRO

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Em Brasília está aberto o leilão do Cunha

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:

Dormia a nossa pátria mãe tão distraída/sem perceber que era subtraída/em tenebrosas transações (Versos da música "Vai Passar", de Chico Buarque de Holanda, lançada em 1984).

Ao dar uma olhada no noticiário nesta manhã de quinta-feira, sem mais nem menos veio-me à lembrança a canção do velho Chico, aquela do tempo da Campanha das Diretas, nos estertores da ditadura. Menos de 48 horas após o STF congelar temporariamente as ações do impeachment, governo e oposição agora querem ganhar tempo para discutir a relação e reorganizar suas tropas, esperando para ver o que acontece.

Acontece que o nosso País não tem mais este tempo para perder. Urge uma solução para o impasse político. O final do ano está chegando, mais um ano perdido na economia, sem que de nenhum lado se ouça uma única proposta viável para sonharmos, pelo menos, com uma perspectiva de vida melhor em 2016. Luta-se apenas pela manutenção ou pela conquista do poder central.

Cada lado agora prepara os próximos lances no grande cassino em que Brasília se viu transformada nos últimos dias. Em leilão, está o nosso futuro. No centro da roda das negociações, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ameaçado de perder o cargo, o mandato e a liberdade, agonizando em praça pública, conversa com todo mundo e pontifica como se ainda fosse o todo poderoso manda-chuva nacional nestes tempos sombrios.

Esta semana, o governo reagiu e a oposição rachou, sem saber o que fazer com o Eduardo Cunha, mas tudo continua sendo absolutamente imprevisível. A presidente Dilma Rousseff partiu para a ofensiva num encontro da CUT contra o que chamou de "golpismo escancarado" desfechado contra seu mandato por "moralistas sem moral". Com seus líderes divididos, sem rumo e sem comando, a frente de oposição retirou-se para o fundo do palco.

Em meio às incertezas, um personagem novo surgiu no cenário: o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, que se mostrou preocupado com a situação, em discurso feito a oficiais da reserva: "A crise é de natureza política, econômica e ética e poderá se transformar numa crise social muito séria, com efeitos negativos sobre a estabilidade. E aí, nesse contexto, nós nos preocupamos, porque passa a nos dizer respeito diretamente". Dizer o que?

Ao quebrar o obsequioso silêncio dos militares, o general Villas Bôas acrescenta mais um ingrediente de mistério nesta novela do poder que não tem prazo para terminar e vai sendo esticada ao sabor das circunstâncias.

Façam suas apostas.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O racismo no Mackenzie também é culpa da Dilma? Por Mauro Donato

Postado em 08 out 2015
por : 

Desde ontem, quem entrou no banheiro masculino do Prédio 3 da Universidade Mackenzie, encontrou rabiscado atrás da porta: “Lugar de negro não é no Mackenzie, é no presídio.”
Em que ano estamos?
Segundo uma nota emitida após o episódio pela universidade, estamos em outubro de 2015, mês em que a instituição completa 145 anos de existência, de uma “história de ampliação de liberdades e construção de oportunidades” e de “compromisso com a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos”.
Mas será que seus alunos representam bem esse compromisso? O problema está na pouca dedicação em transmitir esses valores ou na falta de interesse dos estudantes em absorvê-los?
O Prédio 3 abriga a Faculdade de Direito, curso com mensalidade de R$ 1.681,00.
Na página de apresentação do curso no site da universidade lemos que “O Curso de Direito visa obter do acadêmico de direito uma formação humanística que permita conhecer e compreender melhor o meio social, político, econômico e cultural onde possa atuar, além de compreender as desigualdades sociais e regionais do trabalho, do meio ambiente, do consumidor, das políticas públicas e, acima de tudo o papel do Direito no cenário que se apresenta.”
Então o que explica que ali, naquele ambiente, possamos encontrar um tipo de manifestação hedionda? Quem responde é Adrielly L. S. Oliveira, estudante do 3º semestre.
“Acredito que haver medidas afirmativas, que nos coloquem junto a mais alta elite, revolta, porque infelizmente ainda hoje somos vistos como escória. Já ouvi que não deveríamos ocupar altos cargos pois, se temos cotas, pensamos menos. É um absurdo isso acontecer aqui, uma vez que prezamos lei, justiça e igualdade”, diz Adrielly que tem 50% de bolsa, é uma das duas únicas negras de sua turma, mora em Itaquera e toma dois ônibus mais metrô para chegar às 7:15 da manhã na faculdade em Higienópolis.
Infelizmente a situação não está restrita ao Curso de Direito. Michelli Oliveira é estudante de Jornalismo no mesmo campus. Em uma sala de 60 alunos, há apenas duas negras. Michelli é uma delas e é a única bolsista pelo Prouni. A mensalidade do curso de Jornalismo é de R$ 1.900,00. “Ser negro e pobre é meio que pedir o preconceito”, diz.
Em agosto deste ano, Michelli já tinha se deparado com outra inscrição semelhante: “O Mack não deveria aceitar negros nem nordestinos.”
“Todos os dias me arrumo e vou para o Mackenzie estudar. Vejo no campus que sou uma das poucas com cabelo black e que os muitos que se parecem comigo são os funcionários. Tenho orgulho de ser Mackenzista, mas também, tenho vergonha e dó daqueles que estão lá e acham que suas classes sociais e suas etnias são mais importantes que o resto do universo. A dor não é só minha, mas de todos aqueles que são afetados com essas declarações de ódio”, desabafou.
Não é lícito suspeitar que a Universidade Mackenzie tolere e muito menos incentive a discriminação (a nota oficial diz que repudia o ato de cunho racista, que desconhece a autoria e informa já ter instaurado procedimento interno para apuração). O problema está obviamente nos alunos das faculdades particulares, sobretudo essas tradicionais, caras, que nunca viram vizinhos de sala pertencentes a outras cores e de outras bandas.
Dirão que é papo de comunista, mas essas pessoas estão sim muito incomodadas com a presença e ascensão das classes menos favorecidas. Veem seu reinado sob ameaça. Há poucas semanas estudantes de medicina fizeram um blackface para criticar cotistas. Disseram que era brincadeira inocente.
A proximidade de uma turma que acorda às 4 da manhã para trabalhar e estudar sem nunca ter tido uma base educacional satisfatória, que nunca pôde ficar deitada no sofá a tarde toda depois da aula, que nunca foi levada de carro para a escola, para o clube, para lado nenhum, provoca essa estupidez.
Para os filhos dos que sempre tiveram o futuro garantido, a presença incômoda de “intrusos” precisa ser diminuída na base de insultos. Aliás, esses parecem ser os únicos recursos que essas pessoas possuem. E como racismo é crime, lugar de branco pode ser no presídio também.
Texto original: DCM

sábado, 3 de outubro de 2015

A morte das revistas semanais brasileiras.

Postado em 03 out 2015

Fernando Morais e as capas infames
É a morte do jornalismo semanal. E uma morte infame, desonrosa, suja.
Tantas revelações em torno de Eduardo Cunha com suas contas na Suíça, e nenhuma revista semanal o deu na capa.
Que ele precisaria fazer para ir para a capa da Veja, da Época e da IstoÉ?
A mídia fala tanto em corrupção, e quando aparece um caso espetacular destes finge que não viu.
É uma amostra do que a imprensa sempre faz quando se trata de político amigo: joga a corrupção para baixo no tapete.
Isto se chama manipulação.
O brasileiro ingênuo é, simplesmente, ludibriado. Depois, corre para as redes sociais para vomitar as besteiras que leu na imprensa.
Durante a semana a mesma coisa ocorrera com os jornais. Eles esconderam o caso Cunha.
Fernando Morais comentou as capas logo na manhã de sábado. Notou, com razão, que parte disso é culpa do próprio PT por ter enchido de dinheiro público empresas de mídia que desinformam e não hesitam em sabotar a democracia quando sentem que seus inumeráveis privilégios correm risco.
As capas das revistas semanais e as primeiras páginas dos jornais nestes dias demonstram que, na prática, existe um monopólio na mídia brasileira.
São quatro ou cinco famílias, e na verdade uma só voz.
Não fosse a mão invisível do mercado, para usar a grande expressão de Adam Smith, e o poder das grandes corporações jornalísticas seria um obstáculo formidável ao avanço social brasileiro.
Mas a mão invisível trouxe a internet, e com ela um jornalismo que se contrapõe ao gangsterismo editorial das grandes corporações.
Fazer jornais e revistas de papel é coisa para grandes empresas, pelo tamanho dos investimentos necessários.
Mas montar um site é barato. Você não tem que imprimir sua publicação em gráficas, pagar uma distribuidora, comprar papel em fábricas finlandesas e coisas do gênero.
Seu custo é infinitamente mais baixo.
Paralelamente, a voz única das grandes corporações abre um espaço enorme para visões de mundo diferentes.
Foi assim que surgiu e floresceu, na internet, um jornalismo dissidente vital para a democracia nacional.
Considere: sob Getúlio e Jango, vítimas da imprensa, não houve contraponto à narrativa golpista da imprensa.
(Getúlio, um homem de visão, tentou resistir aos barões da imprensa com a criação de um jornal, a Última Hora, mas era quase nada diante da avalanche dos grandes jornais.)
Avalie como seriam as coisas sem o contraponto dos sites independentes.
O caso Eduardo Cunha mostra muitas coisas, e não apenas sobre a mídia. Estampa a parcialidade da Justiça e da Polícia Federal, também.
Cunha tinha que estar dedicando todo o seu tempo a se defender das acusações terríveis que pairam sobre ele.
Em vez disso, trama a derrubada de Dilma como se não tivesse nada além do impeachment em sua agenda.
Ele só faz isso porque sabe que goza de ampla proteção.
Essa proteção ficou grotescamente evidente neste final de semana, nas bancas brasileiras, com as capas das revistas semanais.
Texto  original: DCM

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O genocídio que o mundo esqueceu

A matança de mais de um milhão de militantes comunistas na Indonésia contou com a benção dos EUA. Os responsáveis são da elite que governa hoje o país.


Marcelo Justo

São os grandes desaparecidos da Guerra Fria, o genocídio do Século XX, que quase ninguém recorda. Há 50 anos da matança de mais de um milhão de supostos militantes do Partido Comunista, a Indonésia vive uma assombrosa história de amnésia coletiva e lavagem cerebral, versão macabra de uma Macondo asiática que a tritura a verdade dos fatos como uma broca, fazendo com que os genocidas passem a ser heróis da pátria e os sobreviventes e familiares das vítimas vivam com medo de novas represálias.
 
O trabalho das organizações de direitos humanos e um alucinante documentário indicado ao Oscar estão começando a perfurar o muro de silêncio. Em novembro, um Tribunal Popular Internacional realizará uma sessão em Haia com uma palestra na que participarão nove juízes de destacada trajetória no campo dos direitos humanos, para avançar no reconhecimento nacional e internacional do genocídio “que contou com a cumplicidade das grandes potências ocidentais”.
 
O genocídio foi desatado com a intervenção do chefe do exército, o tenente-general Suharto, contra o governo populista do pai da independência nacional, Sukarno, com a desculpa de evitar que os comunistas tomassem o poder. No dia 5 de outubro de 1965, depois de conseguir o pleno controle das Forças Armadas, Suharto começou sua política de patrocinar grupos paramilitares e organizações criminosas, que começaram o trabalho de limpeza de comunistas em Jacarta e em toda a Java central, para depois se estender ao leste do país e à idílica Bali. Nesse arquipélago de três mil ilhas, com mais de cem grupos étnicos diferentes, e que tinha mais de cem milhões de habitantes naqueles Anos 60 – hoje são 255 milhões –, ninguém ficou alheio aos fatos.
 
Em meio à Guerra Fria e com o Vietnã como pano de fundo, a intervenção de Suharto contou com a benção dos Estados Unidos e do Reino Unido. A CIA negou qualquer tipo de vínculo com a matança, mas terminou admitindo que forneceu listas aos esquadrões da morte, através de uma tarefa na qual a embaixada estadunidense também estava envolvida. Num documento considerado “top secret”, revelado há poucos anos pela imprensa norte-americana, mostrava que o genocídio indonésio foi uma das grandes matanças do Século XX, equivalente às realizadas pelos soviéticos e pelo nazismo.
 
Sua magnitude é tão impressionante quanto o silêncio que veio depois. A pressão para um esclarecimento ganhou força em 2012, com o documentário do estadunidense Joshua Oppenheimer, “The Act of Killing”, e um primeiro relatório da Comissão de Direitos Humanos da Indonésia sobre o ocorrido, mas o poder da elite – a mesma que ainda hoje continua direta ou indiretamente vinculada ao fato – mantiveram o muro da impunidade erguido.
 
Durante a campanha eleitoral do ano passado, o atual presidente, Joko Widodo, prometeu que promoveria ações visando o esclarecimento dos fatos. Porém, uma vez eleito, relegou o tema a um segundo plano e propôs uma “solução permanente”, num trabalho em conjunto com a promotoria para buscar uma reconciliação, ou seja, eliminando a busca por verdade e justiça. Soe Tjen Marching, escritora indonésia e diretora do capítulo britânico do Tribunal Popular Internacional de Haia, acredita que somente uma campanha internacional levará o seu país a reconhecer o sucedido. “Querem uma reconciliação sem contar a verdade, sem que ninguém tenha que responder judicialmente. Ou seja, não querem justiça de nenhuma forma. A mesma sociedade indonésia está profundamente dividida. Os culpados não querem uma investigação que os faça descer do panteão dos heróis da pátria ao dos genocidas. Outros não querem agir por temor às consequências, o que afeta até mesmo alguns dos sobreviventes e familiares das vítimas”, disse ela à Carta Maior.
 
A reunião do Tribunal Popular Internacional, nos dias 12 e 13 de novembro em Haia terá um alto valor simbólico e político, mas chocará com uma elite que ainda domina as Forças Armadas, a polícia, a Justiça, o setor financeiro e parte do poder político parlamentar, provincial e municipal. Um dos comandantes que liderou o genocídio foi Sarwo Edhi Wibowo, cuja filha era a esposa de Susilo Bambang Yudhoyono, o presidente da Indonésia entre 2004 e 2014.
 
Essa mesma elite é quem maneja a versão oficial da história, através de um sistema educativo e editorial dedicado a perpetuar a amnésia coletiva. Em 2007, nove anos depois da queda de Suharto, e em meio a um julgamento por corrupção contra ele, o promotor geral Abdul Rahman Saleh vetou a distribuição e ordenou a queima de exemplares de 14 livros de história que não apresentavam o ditador como um salvador da nação, além de não responsabilizarem o Partido Comunista pelos fatos. Uma acadêmica indonésia da Universidade da Carolina do Norte, Paige Johnson Tan, analisou os textos de história publicados atualmente. “Desde a morte de Suharto (em 2008), não mudaram praticamente nada da versão histórica oficial”, escreveu ela recentemente.
 
Nesse hermético silêncio oficial, os documentários do estadunidense Joshua Oppenheimer tiveram um forte impacto, porque despiram a Indonésia perante o mundo. No primeiro deles, “The Act of Killing”, Oppenheimer mostra os assassinos e torturadores fazendo alarde dos seus crimes e voltando aos lugares onde ocorreram os fatos, para mostrar os detalhes (“a gente batia até matar, depois ficava tudo ensanguentado, então mudamos de método e passamos a usar arame”). A impunidade foi tanta que Oppenheimer ofereceu a Anwar Congo, um dos assassinos e fanático por cinema, a possibilidade de filmar versões de seus crimes em diversos gêneros (gangster, texto_detalhe, comédia e até musical), e ele aceitou participar das cenas, junto com alguns dos seus capangas, dirigindo e atuando. A cena final do filme é o apogeu macabro e surrealista, em forma de musical, com Anwar Congo sendo perdoado por duas de suas vítimas, que tiram os arames com os quais foram assassinadas e agradecem a ele por tê-las matado e enviado ao céu (assim mesmo, você não leu mal.)
 
Anwar Congo não é um devaneio dos pesadelos do passado. O genocida é um membro honorário da Pemuda Pancasila, uma organização paramilitar com três milhões de integrantes, uma das mais importantes entre as que atuaram no genocídio, entre 1965 e 1966, e que hoje conta com membros das Forças Armadas, da polícia, do parlamento, dos governos provinciais e municipais em suas fileiras. No filme, o grupo atua com total liberdade para exigir dinheiro e proteção de comerciantes chineses e vendedores ambulantes: o hoje ex-vice-presidente Muhammad Yusuf Kalla se refere aos seus membros como homens que sabem como usar a violência e que têm o direito de fazê-lo.
 
O documentário “The Act of Killing” foi aclamado mundialmente e indicado ao Oscar, mas não chegou a ser exibido nos cinemas da Indonésia, devido à censura – houve grande difusão em mostras de cinema privadas, além da decisão de Oppenheimer de publicar uma versão grátis em idioma indonésio no Youtube.
 
O segundo documentário estreou em Londres em junho, “The Look of Silence”. Nele, Oppenheimer mostra como os sobreviventes e os familiares das vítimas continuam sendo estigmatizados e perseguidos pelo Pemuda Pancasila. “É como se Hitler tivesse vencido a guerra e Himmler, um dos principais generais nazis responsáveis pelo Holocausto, fosse o herói nacional, o salvador da pátria”, comentou Oppenheimer à Carta Maior.
 
A busca pela justiça não será fácil. Além da resistência da elite, está o fato de que muitos dos responsáveis pelos assassinatos e muitas testemunhas dos fatos já faleceram. Segundo Soe Tjen Marching, o Tribunal Popular Internacional de Haia será um primeiro passo. “Espero que o governo peça perdão por esses crimes cometidos pelo Estado, e que admita que houve uma manipulação da história. Se o fizer, também terá que admitir que é preciso mudar a história que se ensina nas escolas e se publica nos livros, As vítimas terão que ser reconhecidas como vítimas e não como vilãs que receberam o que mereciam. É o que nós queremos”, indicou a escritora, em entrevista para a Carta Maior.
 
Tradução: Victor Farinelli

Texto original: CARTA MAIOR