sábado, 25 de abril de 2015

Bancada da Jaula: os interesses e doações milionárias por trás da redução

O deputado federal Silas Câmara (PSD-AM) é o caso mais escancarado dos interesses econômicos que permeiam a discussão sobre a redução da maioridade penal.


Redação da Revista Vaidapé

Durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (31), um dos 43 parlamentares responsáveis pela aprovação da admissibilidade da PEC 171/1993, que prevê a redução da maioridade penal para 16 anos, se revoltou contra a expressão Bancada da Bala. A denominação se refere ao conjunto de políticos ligados à indústria de armas, ex-policiais e militares de modo geral. O grupo capitaneia diversas propostas que representam um retrocesso na política de segurança pública do Brasil.

Além do encarceramento em unidades penitenciárias de adultos para adolescentes a partir dos 16 anos de idade, a Bancada da Bala se movimenta para desmontar o Estatuto do Desarmamento através de 41 projetos, dentre os quais um deles determina a revogação total do Estatuto.

Em uma fala durante a sessão que fez avançar as perspectivas de redução da maioridade penal, o parlamentar disse se sentir ofendido e considerou o termo pejorativo. Sugeriu, então, que o grupo passasse a ser identificado como Bancada da Vida, por defender “os cidadãos de bem”, segundo o próprio.

A expressão Bancada da Bala também é adaptada para outros contextos, como, por exemplo, a Bancada Ruralista, dos representantes de corporações do agronegócio. Assim como há a Bancada da Bola, composta por parlamentares ligados ao futebol.

O fato é que uma investigação simples sobre o financiamento da campanha dos parlamentares a favor da redução apontam uma nova – e mórbida – realidade: o surgimento da Bancada da Jaula.
Bancada da Jaula
O deputado federal Silas Câmara (PSD-AM) é o caso mais escancarado dos interesses econômicos que permeiam a discussão sobre a redução da maioridade penal. Nas eleições de 2014, ele recebeu R$ 200 mil de uma empresa chamada Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda. para sua campanha eleitoral. A Umanizzare é uma empresa que gere presídios privatizados.

Os presídios privatizados são um fenômeno recente no Brasil. De acordo com Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o modelo pode caracterizar um aumento das prisões. Ele é um dos entrevistados do documentário sobre o assunto produzido pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

Também nas eleições de 2014, a Umanizzare escolheu outras duas candidatas para fazer doações. A esposa de Silas, Antônia Lúcia Câmara (PSC-AC), recebeu R$ 400 mil, e a filha do casal, Gabriela Ramos Câmara (PTC-AC), outros R$ 150 mil. Ao todo, a empresa de gestão prisional doou R$ 750 mil para as campanhas eleitorais da família Câmara. A conta, é claro, tem que fechar: só no Amazonas, estado do deputado Silas Câmara, a Umanizzare é responsável por seis unidades prisionais. No Tocantins, a empresa administra outras duas unidades.

Silas Câmara é um dos 17 congressistas apontados pela Organização Não Governamental (ONG) Transparência Brasil que poderia ter sido barrado nas eleições de 2014 por conta da Lei da Ficha Limpa. Ele e sua mulher, Antônia Lúcia Câmara, foram condenados pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) por abuso de poder econômico nas eleições de 2010 e declarados inelegíveis por três anos. Único eleito pela família, Silas conquistou o direito de assumir o mandato na Justiça.

Silas é um dos 43 parlamentares responsáveis pela aprovação da admissibilidade da PEC 171/1993. Ele esteve presente na sessão, votou pela redução da maioridade penal e comemorou o resultado com aplausos e gritos, bem como as mais de quatro dezenas de congressistas que fizeram o mesmo voto. Mais que ideológico, a comemoração de Silas tinha um viés financeiro: com a redução da maioridade penal, o aumento da população carcerária é uma consequência automática. Para a empresa Umanizzare, financiadora do parlamentar, quanto mais presos, mais lucro.

Além da Umanizzare, Silas Câmara recebeu R$ 210 mil da empresa Fiel Vigilância Ltda. e outros R$ 190 mil da Total Vigilância Ltda. As duas empresas trabalham com serviços de escolta armada e vigilância ostensiva. Silas não é o único dos votantes pela redução da maioridade penal que tem como financiador uma empresa de segurança. Além dele, os parlamentares Bruno Covas (PSDB-SP), o pastor evangélico João Campos (PSDB-GO) e Felipe Maia (DEM-RN) também receberam montantes elevados de empresas do setor.

Como se não bastassem os mandatos comprometidos com as empresas que lucram com o aprofundamento do Estado penal e repressor, dos 43 deputados responsáveis pela aprovação da PEC da Redução, 25 têm problemas na justiça e estão envolvidos em algum processo criminal.

O pastor João Campos é um deles. Além de processado por embolsar o salário dos funcionários, recentemente, emitiu uma nota oficial de repúdio ao beijo lésbico, protagonizado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg em uma novela da Rede Globo. A intolerância é a essência do mandato de Campos. Bruno Covas e Felipe Maia também estão na lista dos envolvidos em processos criminais.

As eleições de 2014 formaram o que o diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) chamou de o Congresso “mais conservador no período pós-1964”. A redução da maioridade penal assusta, mas não surpreende. Não com os parlamentares eleitos para a atual legislatura. 

Texto original: CARTA MAIOR

domingo, 19 de abril de 2015

Aécio Neves é o novo Joaquim Silvério dos Reis; achincalha a memória de Tiradentes e do avô

Aécio completa sua conversão ao udenismo e achincalha de vez a memória de Tancredo Neves
Ignacio Godinho Delgado
O dia 21 de abril representa muito para todos os brasileiros, em especial os nascidos em Minas Gerais, pelo registro das mortes de Tiradentes e Tancredo Neves.
Ligado ao PSD e depois ao MDB e PMDB, Tancredo ficou conhecido como um político liberal, de inclinação conservadora e grande capacidade de conciliação, mas destacou-se, também, por posições firmes na defesa da democracia e no combate ao golpismo, típico da prática política da UDN, adversária do campo político criado em torno de Vargas, representado pela aliança PSD-PTB.
Basta lembrar sua atitude em 23 de agosto de 1954, quando, ministro da Justiça de Vargas, na última reunião ministerial antes do suicídio do presidente, pregava a resistência contra a ação golpista que se avolumava, com apoio de boa parte da imprensa brasileira, na qual já atuavam as mesmas famílias que controlam ainda hoje os principais veículos da mídia do Brasil, de onde partem as principais ações contra a continuidade do governo de Dilma Rousseff.
Apesar de seu perfil conservador, em toda a trajetória política de Tancredo Neves, não consta também qualquer iniciativa contrária ao legado trabalhista e nacionalista de Vargas. Junto ao golpismo, a oposição a tal legado marcaria a trajetória e a identidade da UDN, em seu combate sem tréguas a Vargas e àqueles que entendia serem seus herdeiros. Incapaz de alcançar a presidência pelo caminho das urnas, clamou seguidamente pelo golpe, contra Vargas, Kubitschek e Goulart. O centro de seu discurso era o combate à corrupção, cortina de fumaça a envolver a oposição ao trabalhismo, denunciado como demagogia e populismo, e à política nacionalista de Vargas.
Durante e depois das eleições de 2014, Aécio Neves passou a utilizar-se do discurso e do  vocabulário da UDN, inclusive a famosa expressão mar de lama, de Carlos Lacerda, além de estimular ações claramente golpistas, como as iniciativas no TSE para impedir a diplomação e a posse de Dilma Rousseff, e a agora anunciada disposição defender o impeachment da presidenta eleita. Não importam o aeroporto de Cláudio, a distribuição de verbas públicas para rádios da família, o aparecimento do nome de Aécio Neves na Operação Lava Jato… O discurso da velha UDN e de seus herdeiros atuais não tem nada a ver com suas práticas. É apenas um recurso para inciativas golpistas, ancorado na complacência da mídia, cuidadosamente seletiva nas denúncias de corrupção.
Desde o ano passado Aécio Neves tem se posicionado contra o regime de partilha na exploração do Pré-Sal, defendendo o retorno do regime de concessão, preferido pelas grandes companhias ocidentais. Naquele que é, pois, o tema mais importante da disputa atual entre nacionalismo e entreguismo, Aécio ficou mais uma vez com os herdeiros da UDN.
Em 16 de abril passado, Aécio pronunciou-se a favor da primeira versão do PL-4330, que propõe ampliar a terceirização no Brasil, de certa forma deplorando o recuo do PSDB sobre a questão (). Embora tenha votado em peso a favor do PL-4330, os tucanos, diante da repercussão negativa nas redes sociais e das manifestações contrárias das ruas, buscaram acertos inclusive com o PT para modificar o projeto. Aécio não! Aécio quer o PL-4330 original, que rasga de vez a CLT, complementando melancolicamente sua conversão plena ao udenismo.
Apesar de construir sua carreira política à sombra de seu parentesco com Tancredo Neves, Aécio passou a representar a expressão mais reacionária, na cena brasileira atual, dos herdeiros dos principais adversários do avô. A memória de Tancredo Neves não merece.
Em 21 de abril, os brasileiros e mineiros evocarão em suas lembranças os nomes de Tiradentes e Tancredo Neves. Infelizmente, junto a eles, não há como esquecer de Joaquim Silvério dos Reis e de Aécio Neves.
Ignacio Godinho Delgado é  professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
 Leia também:
Texto original: VI O MUNDO

sábado, 18 de abril de 2015

A morte coletiva da imprensa de Minas Gerais

publicado em 17 de abril de 2015 às 13:18

JORNALISMO EM MG
Réquiem para a mídia mineira
Como as pessoas, os veículos de mídia nascem, crescem e morrem. Alguns chegam ao apogeu admirados e respeitados. Outros são menos reverenciados e podem até, em determinado momento, atingir um patamar tal de execração que equivale à morte. Razão pela qual esta morte tem início bem antes de seu fechamento formal.
Como as pessoas, cada mídia tem sua data de criação e, raramente, morrem todas ao mesmo tempo. Em Minas Gerais, no entanto, este raro fenômeno de morte coletiva está sendo observado.
Na contramão do que determinam a técnica e a ética jornalísticas, a maioria esmagadora da mídia mineira com sede em Belo Horizonte (aí incluídos jornais, rádios e TVs) distorceu, minimizou, manipulou e alguns simplesmente até ignoraram o resultado da auditoria realizada pelo governo Fernando Pimentel (PT) envolvendo os 12 anos de gestão do PSDB no estado.
Divulgada no dia 06/04, durante entrevista coletiva convocada pelo governador, a auditoria recebeu o nome de Diagnóstico da Situação Atual de Minas Gerais e está dividida em 10 áreas, que cobrem aspectos-chave da realidade do estado.
O diagnóstico pode ser acessado através do site www.diagnostico.mg.gov.br.
Com a divulgação, Fernando Pimentel cumpriu com a palavra empenhada no discurso de posse: em 90 dias, apresentar para a população o relatório detalhado da situação em que recebeu o estado.
A tarefa coube a Mário Vinícius Spinelli, que realizou trabalho semelhante em São Paulo, na condição de controlador-geral da Prefeitura, nos primeiros tempos da gestão de Fernando Haddad. Spinelli, à frente de uma equipe, vasculhou contas, licitações e contratos e o que encontrou deveria estar tirando o sono de muitos tucanos e de seus aliados, pois jogou por terra tudo o que foi alardeado sobre as maravilhas do “choque de gestão”.
Notícia escondida
O diagnóstico apontou um déficit orçamentário de R$ 7,2 bilhões, com 497 obras paralisadas, mais de 600 metros cúbicos de remédios vencidos, déficit de 30 mil vagas nos presídios e acúmulo de dívidas de R$ 94 bilhões. Só a Cidade Administrativa, menina dos olhos da gestão de Aécio Neves, consome R$ 120 milhões por ano. A obra, que custou R$ 1,7 bilhão, não gerou economia com alugueis e só com jardins e manutenção do mobiliário são gastos R$ 10 milhões por mês.
Por dever de ofício, a mídia deveria ter publicado os principais aspectos deste diagnóstico, ouvindo o governador e membros de sua equipe, para detalhar os problemas apresentados e também, por compromisso com o contraditório, divulgar as justificativas, críticas e pontos de vista dos integrantes das gestões anteriores, em especial dos ex-governadores Aécio Neves e Antônio Anastasia. Nada disso foi feito.
O jornal Estado de Minas publicou, na edição de 07/04, dia seguinte à apresentação do diagnóstico, uma discreta chamada de capa (em apenas uma coluna, no alto direito da página, sem foto) sob o título de “Pimentel: ‘Situação é crítica’. Tucanos rebatem”.
Internamente, o jornal dedicou duas páginas da editoria de Política ao tema. Na primeira, sob o versal “Balanço”, a publicação assinala que o chamado choque de gestão foi contestado durante a apresentação pelo governador Pimentel, do diagnóstico sobre a situação das contas do estado.
Em seguida, a matéria tenta relativizar os problemas, assinalando que “o levantamento foi divulgado em meio a uma crise que aflige todos os estados diante do quadro de recessão com o fracasso da política econômica do governo federal”.
E, antes mesmo de apresentar aspectos do diagnóstico, a matéria assinala que “o contra-ataque do PSDB veio rápido: poucas horas depois da divulgação do balanço pela equipe de Pimentel, o partido rebateu os números tópico por tópico, seguindo o modelo apresentado pelo atual governador”.
A página seguinte, cuja manchete é “Tucano acusa governo de montar teatro”, dedica-se integralmente à entrevista com um deputado estadual, escolhido como porta-voz do PSDB, e à íntegra da nota do partido sobre o assunto. Curiosamente, não há nenhuma manifestação dos ex-governadores Aécio Neves e Antônio Anastasia. O jornal não os procurou? Eles se recusaram a falar? Nada disso é informado ao leitor.
A edição de 07/04 do jornal Hoje Em Dia não foi encontrada nas principais bancas e pontos de venda em Belo Horizonte. Ao contrário do que se possa imaginar, ela não esgotou. Simplesmente não chegou a estes locais. Na versão eletrônica, a publicação dedicou uma única matéria ao assunto: “Oposição volta a rebater diagnóstico do governo de Minas”.
Avaliação de quem?
O jornal O Tempo foi o único a tratar o diagnóstico em manchete de primeira página na edição do dia 07/03: “Relatório de 100 dias repete críticas, mas evita denúncias”. Já o versal tem o nítido objetivo de minimizar o quadro: “em apresentação de nove minutos, Pimentel apontou falhas na gestão tucana e diz que a situação é ‘crítica’”.
Internamente, a publicação dedica quatro páginas ao assunto, valendo-se de matérias, fotos e infográficos. Em nenhuma delas aparecem os ex-governadores Aécio Neves e Antônio Anastasia. O político mais graduado ouvido para defender os tucanos é o ex-governador tampão Alberto Pinto Coelho (PP), que concluiu o mandato de Anastasia.
O Tempo chega ao cúmulo de publicar um minibox, sob o título “Aécio-Resposta”, em que é dito o seguinte: “Os senadores e ex-governadores Aécio Neves e Antônio Anastasia não comentaram os dados. Internamente, a avaliação foi que não era preciso convocá-los, pela falta de acusações fortes.”
O jornal não explica se este “internamente” refere-se aos tucanos ou ao próprio jornal. Também não explica o que consideram “acusações fortes”. Seja como for, fica visível a tentativa de não associar o nome e a imagem dos ex-governadores aos graves problemas apontados pelo diagnóstico nas gestões deles.
Apesar de Belo Horizonte contar com seis canais de TVs abertas (cinco afiliados de redes nacionais) e um local, TV Minas, emissora educativa de propriedade do governo do estado, a cobertura que realizaram sobre os resultados deste diagnóstico foi mínima. A maioria fez apenas registro sumário do fato. Quanto à TV Minas, sua programação e seus telejornais locais (hoje reduzido a um único) estão de tal forma sucateados, que não teve condições para uma cobertura minimamente adequada. Some-se a isso que o principal telejornal por ela exibido continua sendo o Jornal da Cultura, produzido pela TV Cultura de São Paulo. Um telejornal que, há muito, vem sendo denunciado como uma espécie de house organ dos tucanos paulistas.
Nas emissoras de rádio, a cobertura do diagnóstico não foi diferente. Apesar de a capital mineira contar com mais de três dezenas de emissoras (entre AMs e FMs), a grande maioria é constituída por “caixas de música” e “templos eletrônicos”. Vale dizer: rádios que apenas tocam música ou são ligadas a igrejas, sobretudo evangélicas. A rádio Itatiaia, a principal do Estado, confirmou a fama de “velha amiga dos tucanos”, enquanto as edições locais da CBN (Organizações Globo) e BandNews (Grupo Bandeirantes) trataram do assunto com superficialidade tamanha que beirou à irresponsabilidade.
Omissão de gastos
Nos dias seguintes, o assunto não mereceu qualquer repercussão. O diagnóstico simplesmente sumiu da mídia mineira. Nenhum jornal, emissora de rádio ou TV se preocupou em saber o que pensa dele empresários, especialistas, líderes sindicais, artistas, trabalhadores, estudantes, enfim a população de Minas Gerais. Fato impensável em qualquer lugar em que a mídia seja minimamente séria. Afinal, os problemas apontados dizem respeito não só ao passado recente como o futuro para uma população de quase 20 milhões de habitantes.
Escrito em linguagem simples, acessível e bem detalhado, este diagnóstico merece ser lido. Nele estão abrangidas áreas como Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Gestão, Obras, Agricultura e Cultura. Sente-se falta, no entanto, de um item crucial em todas as sociedades contemporâneas, o relativo à mídia. Em outras palavras, o diagnóstico omite os gastos do Executivo estadual nos últimos 12 anos com propaganda (incluindo também o de empresas estatais como Cemig, Copasa e Codemig) e o que foi feito em relação às emissoras governamentais.
Com estas omissões, o diagnóstico perdeu uma excelente oportunidade para deixar registrado, por exemplo, quanto o governo de Minas gastou com propaganda durante as gestões de Aécio Neves e Antônio Anastasia. Gastos que qualquer mineiro sabe que foram vultuosos, dada à avassaladora quantidade de propaganda que caracterizou estas administrações. Extraoficialmente, comenta-se que estes gastos superaram a cifra de R$ 2 bilhões.
Excelente oportunidade foi perdida, também, ao não se registrar a situação em que se encontram a TV Minas Cultural e Educativa e a Rádio Inconfidência, ambas de propriedade do governo do Estado. TV Minas e Rádio Inconfidência foram vítimas do desmonte permanente e sistemático por parte dos tucanos. Aliás, a única coisa que os tucanos fizeram por elas (ou por eles próprios?) foi a construção de uma nova sede, inacabada, que irá abrigá-las. A exemplo da Cidade Administrativa, o prédio é faraônico, com manutenção muitíssimo cara e terá impacto negativo sobre o minguado orçamento destas emissoras. Construção que está longe de resolver os maiores problemas que enfrentam: salários dignos para seus funcionários e programação em quantidade e qualidade compatível com o interesse público.
A ausência de um tópico sobre estes aspectos é grave e aponta, no mínimo, para uma visão conservadora do governo Pimentel sobre comunicação e mídia. Nos dias atuais, a sociedade exige transparência em relação aos gastos oficiais com publicidade, da mesma forma que nenhuma administração pode ignorar que a mídia governamental deve e precisa ser implementada e voltada para o interesse público.
O quadro lamentável em que se encontra a mídia em Minas Gerais explica o fato de ter chegado ao fundo do poço no quesito credibilidade. As tiragens dos jornais locais são pífias e não ultrapassam a casa dos 30 mil exemplares durante a semana, e 50 mil aos domingos. Mesmo assim, a maior parte fica encalhada, de pouco adiantando promoções variadas. A exceção é o jornal Super, o tabloide sensacionalista editado pela mesma empresa de O Tempo.
O Super é um caso à parte, pois se valendo da fórmula “crime, futebol e sexo”, tem sua tiragem na casa dos 230 mil exemplares diários, à frente de qualquer publicação impressa nacional, aí incluídos os tradicionais O Globo e Folha de S.Paulo. O tabloide não dá, diretamente, destaque a temas políticos, mas sua linha editorial, extremamente conservadora, tem contribuído para disseminar preconceitos e ódios.
Este quadro faz com que nas rodas de repórteres e jornalistas em Belo Horizonte, o quê mais se ouve sejam reclamações sobre demissões injustificadas de colegas, perseguições, censura a notícias por parte dos editores e dirigentes, além do fato de muitos destes profissionais sentirem-se hostilizados pela população. Repórteres do jornal Estado de Minas, por exemplo, ao cobrirem quaisquer manifestações, têm que esconder o crachá que os identifica. O mesmo acontecendo, com frequência, em se tratando das equipes locais da TV Globo. Problemas que têm reflexos diretos no conteúdo da mídia mineira que, se há muito deixava a desejar, agora se tornou dispensável.
Atestado de óbito
Fundado em 1929 e o mais antigo em circulação em Belo Horizonte, o Estado de Minas, que integra os Diários e Emissoras Associados, enfrenta a maior crise de sua história, com sérios riscos de não sobreviver. Além dos constantes cortes de pessoal e de ter colocado à venda sua sede, está em vias de desfazer-se de mais uma emissora. Desta vez a escolhida é rádio Guarani, a caminho de tornar-se mais uma igreja eletrônica.
Nos tempos áureos, os Associados, de Assis Chateaubriand, chegaram a ter o domínio absoluto da mídia mineira, com três jornais, duas emissoras de televisão e meia dúzia de rádios. Até meados de 1964, o Estado de Minas era apenas um entre os 13 jornais que circulavam em Belo Horizonte (12 diários e um semanário). Ter participado ativamente do golpe civil-militar que derrubou o presidente João Goulart garantiu-lhe vantagens e privilégios junto aos novos ocupantes do poder e estes foram usados para destruir concorrentes e perseguir profissionais que não rezavam por sua cartilha.
Em 1987, veio o confronto com o governador Newton Cardoso (PMDB) que redundou na decisão, por parte do governador, de lançar o jornal Hoje Em Dia. Em meados da década de 1990 foi a vez do empresário Vittorio Medioli, então deputado federal pelo PSDB, também em confronto com os Associados, lançar o jornal O Tempo. De lá para cá, o Hoje Em Dia mudou de mãos duas vezes: vendido por Cardoso, foi parar entre as propriedades de Edir Macedo e agora tem à frente um grupo empresarial local. Ao que tudo indica, este grupo apostava na vitória dos candidatos tucanos em Minas e no plano federal. Como a aposta não se concretizou, os comentários são de que o jornal pode ter sua edição impressa encerrada, passando a circular apenas no suporte digital.
Em comum, Estado de MinasHoje Em Dia e O Tempo possuem o fato de, ao longo dos últimos 12 anos, terem apoiado incondicionalmente os governos tucanos em Minas Gerais, acostumando-se a generosas verbas de publicidade oficial. Em troca, minimizaram, ignoraram ou mentiram sobre qualquer assunto que pudesse ser negativo ou incômodo aos tucanos.
Desses grupos empresariais, o único que demonstra boa saúde financeira é o de O Tempo, que controla três jornais na capital e outro tanto na região metropolitana de Belo Horizonte. Mas seu proprietário, o ex-deputado Vittorio Medioli, enfrenta problemas, condenado a cinco anos e seis meses de prisão por crime contra o sistema financeiro nacional.
Medioli foi um dos alvos da operação Farol da Colina, da Polícia Federal, que desbaratou um esquema por meio do qual foram enviados ilegalmente para o exterior mais de US$ 3 milhões através da Beacon Hill Service Corporation. Como a pena de Medioli ainda pode aumentar, em função de recurso do Ministério Público Federal, os funcionários de sua empresa estão preocupados e inseguros quanto ao futuro.
Até o início de 2014, as lacunas, distorções e manipulações da mídia mineira em se tratando da cobertura política vinham sendo supridas por um número cada vez maior de pessoas que se informavam através do site NovoJornal, que chegou a atingir a casa de um milhão de acessos/dia. Por ser o único veículo em Minas que denunciava a falácia do choque de gestão e as irregularidades nas administrações tucanas, recebeu por três vezes, a “visita” da polícia, até que seu proprietário, Marco Aurélio Carone foi preso e o site retirado do ar.
Marco Aurélio Carone passou os nove primeiros meses de 2014 em uma prisão de segurança máxima, sem acusação formal e maior parte do tempo incomunicável. Passadas as eleições, foi solto por “ausência de provas” contra ele. O site NovoJornal continua fora do ar, mantendo-se o quadro de censura à mídia em plena democracia. Até o momento, nenhuma das autoridades mineiras (passadas ou atuais) se pronunciou sobre o assunto.
Por tudo isso, para obter informações minimamente confiáveis sobre o que acontece no Estado, a população tem de recorrer aos jornais, sites e blogs de outros estados. O que equivale a um atestado de óbito para a mídia mineira.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Este artigo foi publicado no blog Estação Liberdade
Leia também:
Texto original: VI O MUNDO

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A deriva da classe média na Paulista e o vazio conservador

Quem teria algo a propor para reerguer a autoestima da sociedade brasileira e superar o atoleiro do arrocho fiscal? A direita certamente que não.

por: Saul Leblon

A atabalhoada virulência com que o conservadorismo foi ao pote para matar, picar e salgar o quarto mandato progressista conquistado nas urnas brasileiras, começa a revelar a fragilidade inerente ao ímpeto que tem pouco mais a propor ao país do que uma panaceia vingativa: o politicídio do PT.

O esvaziamento das manifestações é o sintoma dessa  vossoroca que come o simplismo por dentro.

A frustração de quem foi ludibriado pela promessa de redenção sumária do país pode arrastar cabeças e decepar reputações conservadoras.

Há pouco mais de dois meses, Cristina Kirchner era um cadáver político na Argentina, que tem eleições presidenciais em outubro. A presidenta era acusada inclusive de tramar o assassinato de um juiz. Sem recuar, batendo de frente com a mídia conservadora e não cedendo ao mercadismo, ela virou o jogo.

Hoje Cristina tem 50% de aprovação; seu candidato Daniel Scioli, que lidera a corrida eleitoral, esteve na semana passada no Brasil para gravar o apoio de Lula à sua campanha.

Tucanos de alto coturno, como FHC, farejaram o perigo no ar e recomendam distância das ruas; outros tentam com sofreguidão ressuscitar uma bandeira que morreu na deriva do último domingo: a do impeachment.

A mídia uiva, mas há um cheiro de fracasso na operação ‘tudo ou nada’ desencadeada nos últimos meses.

O governo e o PT saberão, como Cristina, virar o jogo?

Como se sabe, na falta de votos, o conservadorismo convocou a guilhotina.

O medo e o ressentimento da classe média foram insuflados, depois, promovidos a juiz.

O glorioso jornalismo isento deixou a notícia momentaneamente de lado –como tem feito desde 2003-- para vestir o gorro ninja dos vingadores com a tocha na mão. Ou o microfone, o teclado, tanto faz no caso.

Cevada no capim gordura do preconceito e da semi-informação, educada pela emissão conservadora a dar as costas ao país real e aos percalços do desenvolvimento na desordem neoliberal, a classe média respondeu à convocação com a histeria dos programas de auditório.

A corrupção, como sempre, foi o bacalhau atirado para aguçar apetites vorazes.

Não faltaram capatazes desembaraçados no ofício de tanger o surto à seringa do antipetismo.

Na segunda volta da comitiva neste domingo, porém, a marca do ferro quente já não parecia bastante para garantir o alinhamento nos piquetes programados.

Aqui e ali surgem manifestações generalistas que afrontam os cânones diuturnamente emitidos pelos donos do berrante, a saber: a corrupção petista será sempre sistêmica; pontual, por natureza, é a conservadora.

Dissonâncias no script das delações da Lava Jato, ademais de imprevistos como a Operação Zelotes, sem mencionar o trensalão tucano, levantam a poeira da indiferenciação.

Quando o próprio higienismo exala podridão, quem garante a disciplina do tropel?

Um terceiro domingão verde amarelo reveste-se da incógnita típica das criaturas que podem escapar ao criador.

É hora de trocar o bacalhau e o jornalismo dos chacrinhas e chacretes por alguma coisa mais propositiva e rápida.

Qual? Esse é o problema.

Além de condenar a corrupção, elogiar a água encanada e a eletricidade, o que mais o conservadorismo tem a oferecer à encruzilhada do desenvolvimento brasileiro nesse momento?

O direcionamento de tudo no extermínio petista, que descarta até a reforma política, revela-se agora um chão mole, perigosamente capaz de engolir a pressa conservadora.

Sejamos francos, discursos em homenagem ‘à ordem espontânea dos mercados’, como o dos petizes do ultraliberalismo austríaco, que saltitam no alto do carro alegórico desse ‘Brasil Livre’, empolgam alguém, além dos redatores da Veja?

A léguas de ser um remanso para o PT, a verdade é que o mar tampouco se mostra amigável ao repertório conservador.

O aperto de mão entre os presidentes Raul Castro e Barack Obama na Cúpula das Américas, no último sábado, por exemplo, aleijou uma perna decisiva de seu pé de apoio no mundo.

O gesto condensa um simbolismo suficiente para estalar os ossos dessa turma.

Não importa que Washington acene a Cuba com uma mão e aponte a metralhadora para a Venezuela com a outra.

O implícito reconhecimento de que o cerco fracassou em relação à ilha de Fidel –e que ela não se dobrou no essencial--   desmoraliza a repetição da fórmula contra a Venezuela.

Não só.

A subserviência histórica da elite latino-americana aos EUA também não encontra mais amparo na pujança de um way of life que justifique seu projeto de um alinhamento carnal com o império.

O que os EUA tem a oferecer hoje, além do jogral da eficiência dos mercados desregulados, que a crise de 2008 mastigou e arrota na forma de uma indigestão sistêmica que já se arrasta por sete anos?

O que, além da ALCA recauchutada?  E cujo principal objetivo é injetar uma transfusão de demanda à combalida recuperação norte-americana, incapaz deslanchar para fora com o dólar forte, e para dentro, com a anemia de uma classe média cuja renda não cresce há 15 anos em termos reais.

Sugestivo dessa minguante é a campanha protagonizada agora pela atriz Gwyneth Paltrow.

Para divulgar a luta contra a fome nos EUA – o país tem 47,5 milhões de pessoas que ganham até 2 dólares por dia – ela topou a experiência de viver uma semana com um máximo de US$ 29.

Organizada pelo Banco de Alimentos de Nova Iorque, o desafio pretende denunciar o duplo corte no vale alimentação imposto pelo Congresso conservador, em 2013, que jogou mais famílias na insegurança alimentar.

Se é assim e se a meca recua agora diante de uma Cuba que estava programada para ruir junto com os irmãos Castro, o que sobra como referência de mundo ao conservadorismo verde e amarelo da Paulista?

Cuba era o coringa no qual se batia para acertar Lula, Dilma, Morales, Chávez/ Maduro, Cristina, Rafael, Mujica e outros.

Se, como disse Raul Castro na cúpula do Panamá, um país pequeno e desprovido de recursos naturais, pode construir uma cobertura universal de educação e saúde gratuita e de alta qualidade, ademais de garantir amplo acesso ao esporte e à cultura, direito à vida e à segurança. ‘Se em que pesem as carências e dificuldades’, agregou  Raul Castro, ‘continuamos a compartilhar o que temos, e mantemos 65 mil cooperantes cubanos trabalhando em 89 países, sobretudo nas áreas da medicina e da educação...’

Se com recursos tão escassos, Cuba fez tudo isso, cabe pedir licença a Raul Castro para transferir a sua pergunta aos brasileiros que desejam compartilhar um verdadeiro país: o que não seria possível  construir aqui com uma frente ampla progressista capaz de negociar e ordenar o passo seguinte do desenvolvimento?

Raul foi ovacionado ao final de sua fala no encontro do Panamá.

Quem na atual encruzilhada brasileira teria algo desse gigantismo a propor à sociedade para reerguer sua autoestima e superar o atoleiro que oscila entre o arrocho fiscal e a deriva dos domingões conservadores na Paulista?

À prostração petista cabe lembrar: Cuba é pouco maior que Santa Catarina.

Seu mercado limita-se a 11,2 milhões de pessoas.  As quatro letras de seu nome condensam, porém, um dicionário de experiências, de esperanças, de vitórias, de tropeços, de lições e de problemas no caminho da construção de uma sociedade mais justa e convergente.

Os picos de desigualdade no capitalismo, e tudo o que isso significa em relação às formas de viver e de produzir em nosso tempo, reiteram a pertinência dessa teimosia que incomoda o conservadorismo, como ficou provado mais uma vez nas eleições presidenciais de 2014 .

Em um dos debates mais virulentos da campanha, o candidato conservador Aécio Neves trouxe a ilha para o palanque.

O tucano acusou o governo da candidata à reeleição, Dilma Rousseff, de cometer duas heresias do ponto de vista do cerco histórico à audácia caribenha.

A primeira, o financiamento de US$ 802 milhões para a construção de um porto estratégico de um milhão de conteiners na costa cubana de Mariel, a 200 quilômetros da Flórida. Obra capaz de transformar Cuba em uma intersecção relevante no comércio entre as Américas, denunciada por Aécio como ‘cumplicidade do BNDES com o castrismo’.

A outra, a parceria na área da saúde, que trouxe mais de 11 mil médicos cubanos ao país, onde asseguram assistência a 50 milhões de pessoas.  Estigmatizado como um sistema de ‘escravidão de mão de obra cubana’, o ‘Mais Médicos’ teve a oposição canina de muitos que agora defendem o projeto de terceirização e desmonte dos direitos trabalhistas no Brasil...

O reatamento diplomático entre Havana e Washington adiciona ar fresco à impressionante resistência daquilo que se imaginava mais frágil do que tem se mostrado.

É um sinal significativo. Porém é mais que um sinal.

Agrega um punhado de arguições à transição de ciclo econômico em marcha na América Latina e, portanto, no Brasil nesse momento.

A terceirização do futuro como obra do arrocho, por exemplo, é a melhor escolha?

Não se discute a necessidade de ajustes macroeconômicos em meio a uma transição difícil da economia mundial.

Mas é inescapável a atualidade da lição embutida na travessia cubana que afrontou o fatalismo economicista com as armas hoje subestimadas por muitos dentro do governo.

Por maior que tenha sido a rigidez política de que se acusa a experiência cubana – que não se sustentaria se fosse esse o seu único esteio--  o fato é que ela só não virou pó graças ao planejamento público, à organização social, à consciência política e à formação cidadã de amplas camadas de seu povo.

Não se trata de minimizar o custo humano e social elevadíssimo desses sessenta anos de resistência ao cerco imperial. Mas de enxergar na experiência extrema da vulnerabilidade, o alcance mitigador da variável política, cuja força se faz reconhecida agora no reatamento diplomático norte-americano.

O retrospecto da épica caminhada do povo de Cuba fala aos nossos dias e à deriva que nos constrange.

Ao contrário da presunção que vê no degelo diplomático o atalho da conversão capitalista tantas vezes frustrada, a resistência pregressa enseja outras esperanças.

Livre da asfixia econômica, o discernimento político e social acumulado pela sociedade cubana figura talvez como o mais experimentado laboratório de ponta da história para resgatar o elo perdido do debate latino-americano sobre a transição para um modelo de desenvolvimento mais justo, regionalmente integrado, cooperativo, democraticamente participativo e sustentável.

Se Cuba desmentir a derrocada de seus valores, dará inestimável contribuição para fixar o chão firme capaz de desenferrujar essa alavanca histórica.

Não é pouco. E pode ser muito do ponto de vista do imaginário e da agenda regional.

Cuba soçobrou, mas não sucumbiu graças à vitalidade de sua organização política e social para enfrentar restrições equivalentes às de uma guerra, que se estendeu por sessenta anos, a mais longa de que se tem notícia no mundo moderno.

Não há nisso um elogio à ilusão do paraíso caribenho.

Cuba continua a ser uma construção inconclusa, cujo futuro depende da integração latino-americana em curso.

Mas ao contrário da rendição inapelável prevista nos prognósticos conservadores, pode surpreender de novo. E frustrar seus coveiros, contribuindo para reinventar a transição rumo a uma sociedade mais justa e libertária no século XXI.

Nesse sentido, a ilha ainda tem algo de novo a dizer aos povos latino-americanos. E aos brasileiros, em especial, nesse momento particular.

Na voz de Raul Castro na Cúpula das Américas, a pequena porção de terra caribenha parece sacudir a prostração brasileira pelo ombros para dizer: desenhe um futuro maior que a avenida Paulista e convoque todos os brasileiros a construí-lo.

Texto original : CARTA MAIOR

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A maior lição que se extrai da Operação Zelotes. Por Paulo Nogueira

Postado em 08 abr 2015 por :
 
Os brasileiros ignoravam a existência do CARF
A verdade, a dura verdade é a seguinte.
O Brasil não teria que promover uma revolução tributária que – finalmente – fizesse os ricos darem sua justa contribuição.
Bastaria cobrar o devido.
É talvez a maior lição que se extrai da Operação Zelotes.
Não pode ser tão fácil sonegar. Isso destrói qualquer economia, mesmo as mais sólidas. Foi a grande mensagem do governo alemão quando pegou um cidadão tido como exemplar – então presidente do Bayern – com uma conta secreta de cerca de 20 milhões de euros na Suíça.
Isso ocorreu há cerca de dois anos, e o sonegador, publicamente arrependido aliás, já está na cadeia, numa sentença de cinco anos.
É uma questão cultural e, também, policial. Cultural porque a sociedade tem que ter clareza sobre a importância vital dos impostos. Policial porque os sonegadores, especialmente os grandes, têm que ser severamente punidos.
Sonegar no Brasil virtualmente não traz riscos – e isso tem que acabar se quisermos nos tornar uma sociedade avançada.
O caso Zelotes traz muitas reflexões. Como se atribui tanto poder econômico a um grupo de pessoas – o Carf, tribunal que pode anular dívidas bilionárias com a Receita — sem uma fiscalização intensa?
Isso não existe.
É um lugar comum dizer que a transparência é o melhor detergente, e na Zelotes isto é chocantemente real.
Os brasileiros desconhecíamos, até a semana passada, a mera existência do Carf.
O Carf tem que ser conhecido. Seus dirigentes também. Suas grandes decisões, mais ainda.
Transparência, transparência e ainda transparência.

A Receita Federal é a negação disso. Ninguém sabe como funciona. O que se depreende, dados os fatos, é que a plutocracia encontrou maneiras de controlá-la.
Me perguntei sempre, no caso da sonegação da Globo, como a Receita simplesmente não se manifestava. Na internet, o assunto pegava fogo. Nas manifestações de junho de 2013, também.
Nunca a Receita se pronunciou sobre um caso tão expressivo. Era como se o interesse da Globo se sobrepusesse ao do país.
O escândalo do Carf me fez entender. Um mistério enfim se encerrou em minha mente.
A Receita vem operando, estes anos todos, na sombra, quando a luz do sol é imperiosa para que a sociedade veja suas ações.
Dentro desse quadro, coisas simplesmente inaceitáveis se tornam aceitas, ou toleradas.
Algumas vezes escrevi que não conseguia entender como, com o Bradesco tão flagrantemente metido em estratégias de evasão de impostos, Dilma pudesse ter convidado o presidente do banco para ser seu principal ministro.
Com a recusa, ela foi buscar um segundo nome no mesmo Bradesco, Levy.
Qual a mensagem para a sociedade? Sonegue, se puder.
Fazia pouco tempo, na época do duplo convite, que o Bradesco aparecera num caso de sonegação num paraíso fiscal.
Não chega a ser surpresa que o banco de Levy figure, também, na Zelotes.
O pior veio hoje, quando se soube, pelo Estadão, que Levy se empenhou para nomear uma advogada do Bradesco para a vice-presidência do Carf.
É mais que um conflito de interesses: é uma guerra nuclear.
Desprezível, como sempre, é a reação da mídia. Como o Bradesco é um grande anunciante, ninguém repercute o assunto.
Entre a sociedade e um grande anunciante, a opção das companhias jornalísticas é óbvia.
O PT colocou os pobres na agenda nacional, o que não é pouco. Mas, nestes doze anos, não fez mudanças estruturais.
Na Receita Federal, isso ficou patente.
Repito: não era – não é – necessário sequer criar taxas para grandes fortunas.
Basta cobrar o que determina a legislação, e punir quem sonegar.

Texto original: DCM

 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Bastou Zelotes chegar para a Zelite achar ideias de Moro "perigosas"

Logo quando a operação Zelotes flagrou grandes figurões da elite brasileira em práticas criminosas, a presunção de inocência resolveu dar o ar da graça. 

 Antonio Lassance (*)  

 Nada como um dia após o outro. De repente, não mais que de repente, um editorial de O Globo considera o padrão Moro de "justiça" muito perigoso.


No texto "Lava-Jato inspira proposta de mudança na Justiça", o jornal relata que juízes, "Sérgio Moro um deles, defendem que penas sejam cumpridas a partir da sentença de primeira instância, ideia perigosa, mas que Congresso precisa debater". 

Ideia perigosa? Como assim? Desde quando? Que curioso, não? Se prender suspeitos e mantê-los trancafiados até que confessem o que sabem e o que não sabem foi saudado até agora como um bom padrão de execução da judiciária, que medo é esse de uma sentença condenatória em primeira instância?

Manter o réu preso sem julgamento pode, mas prendê-lo depois do julgamento não pode? Estranho raciocínio. Muito estranho mesmo.

É muita coincidência que essa... tomada de consciência - chamemos assim - tenha acontecido quando um escândalo de proporções muito maiores do que qualquer petrolão evidenciou algo banal, trivial, óbvio: o maior escândalo de corrupção de todos os tempos, em qualquer época, em qualquer país, é a sonegação dos ricos, estejam eles ligados a que esquema for - do petrolão ao suíçalão do HSBC e, agora, ao esquema desbaratado pela operação Zelotes, da Polícia Federal.

Logo quando a Zelotes flagrou grandes figurões da elite brasileira em práticas criminosas, vis, tão dignas de escárnio quanto qualquer propina intermediada por doleiros, a presunção de inocência resolveu dar o ar da graça. Justo ela que andava tão sumida.

Justo agora que, entre outros, uma afiliada das organizações Globo (a gaúcha RBS) aparece na mira das investigações, se resolve falar novamente, alto e bom som, em presunção de inocência. 

Esperemos para ver que juiz vai ter a coragem - não é assim que se chama? - de prender tais figurões e fazê-los ver o sol nascer quadrado até que confessem seus crimes já expostos e supliquem por delações premiadas. Se tem dinheiro público, se tem propina, sem tem lavagem de dinheiro, não vai ter prisão? Agora não vai ter? Por quê?

Afinal, O Globo está com medo de quê? Esse editorial terá sido feito por gente que nasceu ontem? Quem o escreveu não sabe que o padrão Moro de qualidade judicial já é corriqueiramente aplicado em nossa Justiça?

Em média, mais de 40% da população carcerária brasileira é formada por presos em situação provisória, ou seja, não têm condenação definitiva. Em alguns presídios, o número de presos provisórios ultrapassa 60%.

Depois de ter premiado Moro com o prêmio "Faz Diferença" de personalidade do ano, quem sabe o jornal não se disporia a conferir um troféu "Sérgio Moro" a presídios com as estatísticas mais altas de gente presa sem condenação, aguardando delações premiadas e julgamento a perder de vista?

O Globo assustou-se e alerta: o "Congresso precisa debater". Claro! Os leitores de O Globo, pelo menos aqueles que não nasceram ontem, entenderam bem que a sugestão do jornal é para que a proposta encontre o caminho certo para ser imediata e solenemente sepultada, com o sinal verde de aplausos em futuros editoriais. 

A defesa da presunção de inocência por parte de uma mídia que se vende, diariamente, atropelando essa mesma presunção de inocência mostra o quanto muitos de seus editoriais são meros exercícios de hipocrisia, assim como os pedidos de desculpas por seu golpismo entranhado.

A presunção de inocência de muitos veículos é ditada por um cálculo de conveniência. Tem dia em que ela está valendo, tem dia que não está. 

Justiça seja feita, há momentos em que a grande e tradicionalíssima imprensa esforça-se muito e dedica todo amor e carinho a proteger a reputação de seus políticos prediletos, a ponto de até mesmo parentes envolvidos em escândalos serem chamados de "supostos parentes" - uma expressão que já deveria estar nos manuais de redação desses luminares.  

Precisou da Zelotes para a turma de O Globo se lembrar que a Justiça, em qualquer lugar, é feita não apenas de leis, mas de juízes e de precedentes. 

Juízes tratados como astros de rock se engraçam a dar seu show à parte e rasgam a lei como quem quebra a guitarra em pleno palco. Quem precisa delas - da lei, da guitarra? Os precedentes que alguns juízes criam podem ser ainda mais graves, pois tornam-se regras que, longe de serem uma homenagem às leis, espezinham-nas. 

Que tipos de juízes preferimos? O Globo prefere um que atenda aos seus caprichos e proteja seus amigos diletos - convenhamos, um "princípio" que é o fim de qualquer noção razoável e responsável de justiça.

(*) Antonio Lassance é cientista político.
Texto original: CARTA MAIOR