quinta-feira, 31 de julho de 2014

Aécioporto: E por falar no aeroporto de Cláudio/MG...

Enquanto o país discute as irregularidades do aeroporto de Cláudio, a presidenta Dilma enviou ao Congresso MP criando programa para apoiar aviação regional

José Augusto Valente

Enquanto o país discutia as irregularidades do aeroporto de Cláudio/MG, a presidenta Dilma enviou ao Congresso Nacional, nesta segunda-feira (28/7), a MP-652/2014 que cria o Programa de Desenvolvimento da Aviação Regional (PDAR).

A grande novidade dessa medida é que o governo federal concederá subsídios para pagar parte dos custos das companhias aéreas com voos regionais regulares de passageiros. Isso é fundamental, visto que essa modalidade não se sustenta apenas com as receitas de tarifas. A meta é que a passagem aérea seja competitiva com a dos ônibus.

Além do impacto nas viagens a trabalho, esse programa permitirá o crescimento do turismo em muitas localidades distantes dos aeroportos suportados pela aviação comercial regular que hoje sofrem com a dificuldade de atrair pessoas interessadas em conhecer sua culturas e belezas naturais. 

O programa, quando concluído, permitirá, também, o desenvolvimento de polos regionais e, principalmente, garantir a mobilidade para comunidades da Amazônia Legal. Finalmente, aumentará a integração do território nacional.

O governo federal pretende lançar ainda neste semestre os editais para construir 160 aeroportos regionais, de um total de 270 que serão construídos ou ampliados, para fomentar a aviação regional. Esses investimentos fazem parte do PAC 2 e deverão alcançar R$ 7,3 bilhões.

A distribuição dos aeroportos regionais, em quatro modelos básicos, será feita da seguinte forma:

Norte: 67 aeroportos; R$ 1,7 bi
Nordeste: 64 aeroportos; R$ 2,1 bi
Centro-Oeste: 31 aeroportos; R$ 0,9 bi
Sudeste: 65 aeroportos; R$ 1,6 bi
Sul: 43 aeroportos; R$ 1,0 bi

Os aviões que poderão operar nesses terminais da aviação regional serão desde turboélices como o ATR-42, até jatos como EMB 175 e 190, Boeing 737-700 e 800 e Airbus A-319.

O subsídio estabelecido em Lei, é destinado exclusivamente para baratear o preço da passagem e não para construir ou manter aeroportos que não tenham voos comerciais regulares. 

Para isso, as empresas aéreas interessadas em aderir ao programa terão que assinar contratos com o governo federal e cumprir as exigências, sem o que perderão o subsídio.

Voltando à Cláudio/MG

Até o momento, não sabemos se o aeroporto de Cláudio/MG poderá fazer parte desse sistema, uma vez que ainda não foi homologado pela ANAC, por responsabilidade do governo de Minas, que ainda não enviou os documentos necessários. De todo modo, precisará ter linhas regulares, conforme exigência legal.

A propósito, procurei alguma coisa sobre o Proaero, no site do governo de Minas Gerais, e não encontrei nada. Dessa forma, não temos como saber que critérios são utilizados para implantar aeroportos regionais naquele estado.

Mas encontrei matéria da Veja, de 26/1/2013, com o título “Dilma abre a torneira para a farra dos aeroportos regionais”, criticando o programa federal e mencionando de passagem o Programa Proaero (MG). 

Diz a matéria “O governo de Minas Gerais, que desde 2003 executa seu próprio programa aeroportuário (o ProAero), destacou que alguns aeroportos contidos no pacote do governo federal já estão sendo ampliados ou reformados pelo estado”. Mas não menciona quais.

Sobre o programa federal, diz a matéria “Um olhar mais detalhado sobre o projeto descortina erros e indícios de mau planejamento. Há cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes, que receberão recursos para reformar seus aeroportos – e que ficam separadas por distâncias inferiores a 50 quilômetros de outros municípios também beneficiados pelo pacote do governo.

Naquela ocasião, a Veja não sabia que o aeroporto de Cláudio fica a apenas 32 quilômetros do aeroporto de Divinópolis. Nem devia saber que foram gastos apenas R$ 11,5 milhões com o desta cidade, que é bem maior do que o de Cláudio e encontra-se em operação. Agora que sabe, provavelmente fará a mesma crítica da “farra dos aeroportos regionais do governo mineiro”.

Como não consegui localizar em canto algum a lista completa dos aeroportos do Proaero, persiste o mistério sobre gastar R$ 14 milhões - e mais uns R$ 20 milhões de desapropriação - com o aeroporto de Cláudio. Matéria do site O Tempo afirma que Cláudio não está na lista do Proaero.

(*) Especialista em logística e transportes

Créditos da foto: Charge: Ipojucã

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Arquitetura hostil: as cidades contra os seres humanos

Em Londres, espetos antimendigos, bancos contra skatistas e namorados expõem o horror de certos urbanistas e autoridades a interações pessoais.

Benn Quinn, do Guardian

Chama-se banco Camden, por causa do distrito londrino que primeiro encomendou esses bancos esculpidos em cimento cinzento, que podem ser encontrados nas ruas da capital inglesa. A superfície inclinada dos bancos, resistente a pichações, foi desenhada para afastar tanto os sem-abrigo como os skatistas.

Ainda que menos óbvios do que os espetos “antimendigo” de aço inoxidável que apareceram há pouco, do lado de fora de um prédio residencial de Londres, estes bancos fazem parte de uma produção recente da arquitetura urbana planejada para influenciar o comportamento público.

É conhecida como “arquitetura hostil”.

Os skatistas tentam subverter os bancos fazendo aquilo que sabem melhor. “Hoje estamos a mostrar que ainda se pode andar de skate aqui”, disse Dylan Leadley-Watkins, que moderou os ânimos depois de se lançar com o seu skate sobre um dos bancos no Covent Garden. “O que quer que as autoridades façam para tentar destruir o espaço público, não poderão se livrar das pessoas que frequentam a área sem ter que gastar dinheiro e fazer algo que elas gostem.”

As ações dos skatistas e daqueles que se indignaram com os espetos – removidos depois de uma petição online ter conseguido 100 mil assinaturas e o prefeito de Londres, Boris Johnson, ter aderido às críticas – chegam num momento em que muitos argumentam que as cidades estão tornando-se ainda menos acolhedoras para certos grupos sociais.

Além dos dispositivos antiskate, os parapeitos das janelas ao nível do chão têm sido “enfeitados” com pontas ou espetos para impedir que as pessoas se sentem; assentos inclinados nas paragens de autocarro desencorajam a permanência e os bancos são divididos com apoio para os braços para evitar que as pessoas se deitem neles.

Acrescentem-se a essa lista as áreas com pavimentação irregular, desconfortável, as câmaras de circuito fechado com alto-falantes e os intimidantes sonoros “antiadolescentes”, como o uso de música clássica nas estações e os chamados dispositivos mosquito, que emitem sons irritantes de alta frequência que só os adolescentes conseguem ouvir.


Novos bancos em frente às Cortes Reais de Justiça na região 
central de Londres. Foto: Linda Nylind

“Uma grande parte da arquitetura hostil é acrescentada posteriormente ao ambiente da rua, mas é evidente que “quem nós queremos neste espaço, e quem nós não queremos” é uma questão considerada desde cedo, no estágio do design”, diz o fotógrafo Marc Vallée, que tem documentado a arquitetura antiskate.

Outros enfatizam o valor do design do ambiente na prevenção do comportamento criminoso, insistindo que o tempo das soluções brutas como os espetos de aço já passou.

“Os espetos são parte de uma estética de fortaleza, já ultrapassada e nada bem-vinda nas comunidades para as quais o design urbano precisa ser inclusivo”, diz Lorraine Gamman, professora de design na Central St Martins (Faculdade de Artes e Design) e diretora do centro de investigação Design Contra o Crime, da mesma faculdade.

“Se quisermos usar o design para reduzir comportamentos antissociais, a democracia deve ser visível no design para a prevenção do crime que incorporamos nas nossas ruas”, diz. “Não tenho problemas com o banco Camden – cuja estética outros têm criticado – mas em muitos lugares, os bancos, casas de banho e caixotes do lixo parecem ter sido removidos para reduzir crimes presumíveis, às custas da maioria das pessoas, que costuma respeitar a lei”.

Inovações atualmente em desenvolvimento na Central St Martins incluem “arte para ATM” – marcadores de piso que visam aumentar a privacidade e a segurança dos utilizadores de caixas multibanco.

Outros criaram projetos relacionados com o graffiti (“Graffiti Dialogues”), cabides antifurto para pendurar bolsas e mochilas nos bares e cafés e o suporte Camden para bicicletas, que facilita a vida do ciclista por manter a bicicleta na posição vertical e prender as duas rodas e o quadro ao suporte. 

Picos para evitar que as pessoas se sentem em Euston,
zona central de Londres. Foto de Linda Nylind
A indignação contra as formas mais grosseiras de arquitetura hostil está a crescer. Há semanas, ativistas meteram cimento em cima dos espetos instalados em frente de uma unidade da rede de supermercados Tesco na região central de Londres. A empresa disse que pretendia prevenir comportamentos antissociais e não afastar sem-abrigos, mas concordou, dias depois, em retirar os espetos.

O historiador de arquitetura Iain Borden disse que o surgimento da arquitetura hostil tem as suas raízes no design urbano e na gestão do espaço público dos anos 1990. Esse aparecimento, afirmou ele, “sugere que somos cidadãos da república apenas na medida em que estamos a trabalhar ou a consumir mercadorias diretamente”.

“Por isso é aceitável, por exemplo, ficar sentado, desde que você esteja num café ou num lugar previamente determinado onde podem acontecer certas atividades tranquilas, mas não ações como realizar performances musicais, protestar ou andar de skate. É o que alguns chamam de ‘shoppinização’ do espaço público: tudo fica parecendo um shopping”.

Rowland Atkinson, co-diretor do Centro para a Investigação Urbana da Universidade de York, sugere que os espetos e a arquitetura relacionada são parte de um padrão mais abrangente de hostilidade e desinteresse em relação à diferença social e à pobreza produzida nas 
Banco em Euston Road, zona central de Londres. Foto de Linda Nylind

“Sendo um pouco cínico mas também realista, é um tipo de ataque aos pobres, uma forma de tentar deslocar a sua angústia”, diz. “São vários processos que se somam, incluindo os processos econômicos que tornam as pessoas vulneráveis em primeiro lugar, como o imposto por quarto extra e os limiares do bem-estar, mas o próximo passo parece ser afirmar que ‘não vamos permitir que se acomode nem mesmo da forma mais desesperada’.”
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A tradução é de Maria Cristina Itokazu.

Créditos da foto: Lisa Nylind

domingo, 13 de julho de 2014

Hora da faxina

A goleada que sofremos contra a Alemanha deve servir para uma sacudidela. Não é possível que as coisas permaneçam assim. Que ela sirva ao menos para isso.

Wadih Damous (*)


“O Brasil tem obrigação de ganhar a Copa”, afirmou Felipão, técnico da seleção. 

“Já estamos com a mão na taça”, disse Parreira, seu auxiliar. 

“Posso afirmar que não temos nada a aprender com ninguém de fora”, José Maria Marin, presidente da CBF.

Essas palavras foram ditas pouco antes da Copa. Elas mostram bem a arrogância e a cegueira dos homens que dirigem nosso futebol.

Na quarta-feira desta semana, porém, dia seguinte à goleada que sofremos da Alemanha, eram outras as palavras que compunham as manchetes dos principais jornais do país: “Catástrofe”, “Vexame”.

Um resultado esportivo é apenas um resultado esportivo - que não me ouça Nelson Rodrigues! Embora dolorida, a derrota não foi uma vergonha para o país. Mas, em se tratando da seleção brasileira de futebol sendo humilhada em casa numa Copa do Mundo, é evidente que estamos diante de uma questão importante. Duzentos milhões de brasileiros se envolveram com a Copa e torcem pelo futebol brasileiro. Por isso, ele não pode ser tratado como assunto privado de uma centena de aproveitadores que se locupletam como dirigentes esportivos.

O discurso de João Havelange, Ricardo Teixeira, Marin e o próximo dirigente que vai sucedê-los, Marco Polo Del Nero, é sempre o mesmo: a CBF é uma entidade privada e não tem que prestar contas a quem quer que seja.

Será essa a interpretação correta? Entendo que não.

As federações estaduais de futebol e, mais ainda, a própria CBF nadam em dinheiro e são, com justa razão, alvos da suspeita geral. Havelange e Teixeira saíram chamuscados - licença para o eufemismo - de seus cargos. O atual presidente, Marin, que pedia providências contra Vladimir Herzog - que o Doi-Codi de SP, em 75, tomou a seu modo - está na vida pública há mais de 40 anos, sempre nas piores companhias e sendo acusado das piores práticas. Seu sucessor já escolhido possui o mesmo estilo. Os quatro têm algo em comum: todos enriqueceram como dirigentes esportivos - e não estou afirmando que o fizeram ilicitamente. Decerto, é mera coincidência.

Eles se eternizam no poder graças a favores prestados a integrantes dos colégios eleitorais pelos quais são escolhidos: os clubes, no caso das federações, e as federações, no caso da CBF.

Visto de longe, parece democrático. Mas não é.

Para eleger o presidente da federação de futebol do Rio, por exemplo, o voto dos grandes clubes, como Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo, vale exatamente o mesmo que o voto de clubes da terceira divisão, muitos com existência só de fachada, cujo apoio é conquistado pela federação com bolas e jogos de camisas.

Na CBF, o voto de estados em que o futebol é semi-profissional e os dirigentes da federação vivem também de favores da CBF, têm o mesmo peso do voto de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.

Com esse sistema, quem está no poder nunca perde. Tem garantida a recondução indefinidamente.

Enquanto isso ocorre, os clubes, que deveriam formar novos valores, estão à míngua, com dívidas por todo lado.

Não há projeto de formação de novos valores por parte das federações e da CBF, sempre mais interessadas em arrecadar dinheiro. Nossos jogadores saem do país cada vez mais jovens. Na atual seleção, metade dos integrantes não chegou a ser titular em clubes brasileiros.

Se não houver brecha legal para um controle público e uma interferência governamental na estrutura do futebol – a Fifa suspende a confederação que sofrer algum tipo de intervenção externa, montando uma barragem de proteção aos colegas de negócios em cada nação – que se estudem outras formas de pressão.

Por exemplo, uma auditoria séria da Receita Federal nas contas dessas entidades. Ou, ainda, em aliança com o movimento Bom Senso, formado por jogadores esclarecidos, de maneiras de se punir cartolas desonestos na forma das leis que já existem no país.

Conversando-se com gente do ramo bem intencionada – jornalistas esportivos e jogadores – outras formas de pressão e intervenção surgirão.

O que é inadmissível, tendo vista a importância que tem o futebol no Brasil, é que não seja tomada qualquer providência.

A goleada que sofremos contra a Alemanha deve servir para uma sacudidela. Não é possível que as coisas permaneçam assim.

Ou se muda a estrutura do futebol brasileiro, enfrentando a verdadeira máquina de negócios nebulosos que dele se apossou, ou essa paixão nacional, que usa símbolos pátrios, vai estar sempre à mercê de gente dessa laia.

Que a derrota de sete a um pelo menos sirva para isso.

(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.

Texto original: CARTA MAIOR

Texto relacionado: A Globo e as raízes do subdesenvolvimento do futebol brasileiro.

terça-feira, 8 de julho de 2014

A máquina de dar joelhadas na espinha do Brasil

As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas, mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder um jogo decisivo.

por: Saul Leblon

As linhas gerais do Programa de Governo da candidatura Dilma Roussef, entregues à Justiça Eleitoral, no último sábado, ocupam 10 mil palavras. Compõem, mais que tudo, um painel informativo dos avanços e conquistas registrados nas diferentes áreas do país durante os 12 anos em que a sociedade escolheu ser dirigida por três governos sucessivos de centro esquerda.

O período e o feito, inéditos na história, estão ali descritos em pinceladas recheadas de números expressivos.

O conjunto retrata uma goleada histórica, raramente ou nunca exposta na mídia conservadora na forma de um acervo completo e detalhado.

Do conjunto sobressai a percepção nítida de que a ocultação, mais que isso, a desqualificação desse arcabouço –como tentou fazer o jornal O Globo, na semana passada, em cima de um discurso de Lula-- obedece a um instinto de sobrevivência.

Com todas as limitações sabidas –que não são poucas, não há, rigorosamente, nenhum saldo, em qualquer frente, que justifique a nostalgia em relação ao país legado em 2002 pelo PSDB, após oito anos em Brasília.

Fica difícil eles ganharem esse jogo na bola.

Por exemplo:

“Em 2002, a inflação anual chegou a 12,5%; em 2013, estava num patamar de 5,9%; a expectativa para 2014 estará dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (centro de 4,5% e teto de 6,5%).

A taxa de investimento da economia brasileira, que era de 16,4% em 2002, passou para 18,2% em 2013.

A taxa de desemprego, em dezembro de 2002, era de 10,5% da população economicamente ativa; em abril de 2014, caiu para 4,9%.

As exportações, que somavam US$ 60 bilhões em 2002, atingiram US$ 242 bilhões em 2013.

No período de doze meses encerrado em maio de 2014, o Brasil recebeu US$ 66,5 bilhões em Investimento Direto Externo (IDE), quatro vezes o montante de 2002 (US$ 16,6 bilhões).

A dívida líquida do setor público decresceu de 60,2%, em 2002, para o patamar de 34,6% em maio de 2014.

O programa Minha Casa, Minha Vida, em suas duas fases, já contratou 3,45 milhões de casas, 1,7 milhão das quais já foi entregue, o que corresponde a mais de 6 milhões de brasileiros vivendo em casa própria, o equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do país.

O sistema de financiamento habitacional, por meio do SBPE-Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, financiou 529,8 mil moradias em 2013, 18 vezes mais do que em 2002, quando foram financiadas 28,9 mil moradias.

Ou ainda, questões pouco afeitas ao eleitor urbano, como a democratização do acesso à água no sertão nordestino: até agora, já foram entregues, no Nordeste, 937 mil cisternas, das quais 607 mil somente no governo da Presidenta Dilma. Até o final de 2014, 1,080 milhão cisternas estarão instaladas por todo o Nordeste.

“Vale destacar que, embora o Brasil tenha vivido nos últimos três anos a maior seca das últimas décadas, não houve o drama dos retirantes famintos e sem rumo que nos afligia no passado...”, lembra o texto.

São algumas das goleadas nesse clássico de 12 anos.

A autoconsciência dessa inferioridade explica o empenho virulento do conservadorismo em bloquear qualquer ensaio de regulação dos canais de comunicação, que venha a propiciar um leque mais amplo de pontos de vista nas escolhas que vão definir o passo seguinte da sociedade brasileira e de seu desenvolvimento.

O interdito ao debate em uma encruzilhada fornida de desafios --a exigir uma repactuação de prioridades, metas, prazos, concessões e salvaguardas-- constitui o grande trunfo para impedir uma mudança histórica na correlação de forças na vida nacional.

Não há, no texto levado à Justiça eleitoral, qualquer menção a esse aspecto crucial da luta política, através do qual a mídia passou a suprir a carência de projetos e lideranças conservadoras, distribuindo joelhadas cotidianas nas costas do país e de sua autoestima.

O objetivo desse Juan Zuñiga sistêmico é quebrar a espinha dorsal da resistência ao lacto purga social intrínseco às propostas dos candidatos vivamente empenhados em devolver a economia ao livre arbítrio dos mercados.

A omissão, afirma-se, reflete a natureza inconclusa do documento.

Trata-se de um couvert. Não o cardápio definitivo da candidata, ou o do PT.

Mas um aperitivo palatável à ecumênica coligação de forças políticas –do PMDB ao PCdoB, passando pelo PP e o PR—que sustentam a candidatura Dilma.

Por isso mesmo a ressalva das ‘linhas gerais’.

Ou seja, um ponto de partida que “...o Partido dos Trabalhadores (PT) propõe para debate, num processo de ampla consulta aos movimentos sociais e aos partidos aliados ( quando) será aprofundado por meio de grupo temáticos’, diz a advertência introdutória ao documento (leia a sua íntegra ao final desta nota).

É fundamental que seja assim e que assim seja.

Sem suprir as lacunas do seu ferramental político, as diretrizes progressistas explicitadas no texto correm o risco de ficar à deriva.

A principal delas diz respeito à consolidação de um Estado social no país. A outra, a determinação de reformar o sistema político e ampliar a democracia participativa. 
Ambas entrelaçadas ao propósito de elevar o Brasil à condição de uma economia desenvolvida nos próximos anos.

Portanto, a economia não irá a lugar nenhum sem eles. E eles não sairão das boas intenções sem canais que facultem à sociedade o debate ponderado, informativo e formativo sobre seus desafios.

“Ampliar a democracia política é um objetivo que anda junto com o compromisso de aumentar cada vez mais a democracia econômica – a distribuição de renda e a eliminação da pobreza. Além das medidas que serão tomadas de aprofundamento da democracia, soma-se o Sistema Nacional de Participação Popular, que terá a função de consolidar as formas de participação colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e institucionalizá-las. A proposta é transformar a participação popular em uma cultura de gestão e as novas tecnologias permitem ampliar e estimular o debate da população (...) Construir um novo ciclo de transformações significa transpor o degrau que hoje separa o Brasil do mundo desenvolvido, isso apenas pouco mais de uma década depois de termos iniciado, e estarmos vencendo, a batalha contra a miséria e a desigualdade. O Brasil não será sempre um país em desenvolvimento. Seu destino é ser um país desenvolvido. Chegou a hora de alçarmos o Brasil à condição de desenvolvido e justo (...) ”, afirma o documento.
A centralidade da questão democrática é um avanço em relação às plataformas eleitorais anteriores do PT.

Não se trata mais de cobrar um espaço para os excluídos no sistema político, mas de mudar a própria natureza desse sistema para que eles possam de fato ter voz nas decisões nacionais.

A democracia brasileira oculta, no aparente contrato de um acordo social periodicamente repactuado nas urnas, a hegemonia de uma desigualdade bruta que ainda grita sua ostensiva presença no ranking das maiores do mundo.

O Estado brasileiro é o cão de guarda dessa engrenagem, que o conservadorismo quer manter obediente à coleira dos interesses unilaterais dos endinheirados.

Os avanços registrados nos últimos anos mexeram na divisão do fluxo da riqueza no país, sem no entanto alterar o estoque que alicerça esses privilégios, bem como as estruturas que enraízam um sistema de poder ferozmente elitista defendido com unhas e dentes pela emissão conservadora.

Subverter a natureza desse aparato implica não apenas mudar o financiamento eleitoral ou oxigenar a gestão do Estado com uma bem-vinda institucionalização da participação consultiva dos movimentos sociais na gestão das políticas públicas.

É preciso dar a esse deslocamento a audiência das grandes massas, de modo a traduzi-lo em uma correlação de forças que possa sustentar um ciclo de desenvolvimento emancipador.

Isso não acontecerá sem uma democratização dos meios de comunicação. E será boicotado até o limite da ruptura democrática pelo oligopólio hoje existente.
As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas encorajadoras.

Mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder o jogo decisivo do desenvolvimento brasileiro (leia o artigo de Wanderley Guilherme dos Santos; nesta pág).

O debate sobre o documento deve superar essa hesitação.

A máquina de dar joelhadas já quebrou a espinha política do país algumas vezes no passado.

E nada indica que não o fará de novo.
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Leia aqui a íntegra das Linhas Gerais do Programa de Governo de Dilma Rousseff, 'Mais Mudanças, Mais Futuro':
https://programadegoverno.dilma.com.br/pgp/index.php

Texto original neste endereço: CARTA MAIOR

sábado, 5 de julho de 2014

O ressentimento de Faustão com a Copa no Brasil

A culpa não é dele nem de sua equipe: é do domingo, que vai pouco a pouco se libertando do cativeiro da tevê aberta e ganha mais opções. Por Nirlando Beirão

Por: Nirlando Beirão, no CartaCapital

Fausto Silva anda muito nervoso ultimamente. Perdeu muito do humor que o consagrou e de sua verve inteligente e debochada. Aderiu aos rabugentos do #nãovaiterCopa e, já que tem Copa, sim, tenta manter a bandeira do encrenqueiro, distribuindo, sem nenhum fair play, insultos ao evento esportivo. A delicada defesa de Honduras deve estar morrendo de inveja do novo estilo Faustão.

O que estará acontecendo com ele? Não confere a suspeita de que pesa no ex-gordo o ressentimento com os quilinhos a mais que ele, de uns tempos para cá, recuperou.

Não consta, tampouco, que Faustão esteja em momento de renovação de contrato, o que explicaria o seu alinhamento precavido com a agenda político-eleitoral do patrão bilionário. Na verdade, o cidadão Fausto Silva já declarou o voto na oposição. Faz sentido. A turma que faz plantão na sua lendária pizza semanal é a mesma do camarote vip que vaia e ofende.

Se o ex-cronista de campo perdeu de vez a esportiva é porque a vida profissional não lhe faculta mais goleadas no ibope. Fausto Silva devia é, apesar das pressões, relaxar.

A culpa não é dele nem de sua equipe. O culpado é o domingo, cada vez menosDomingão do Faustão. O domingo brasileiro vai pouco a pouco se libertando do cativeiro da tevê aberta. Há mais opções na própria tevê. Aquele exército de popozudas que vem esfregar o traseiro no rosto do espectador entorpecido tem seus dias contados.

Tem razão o Faustão em se irritar com a dobradinha Lula-Dilma. Os pobres ficaram economicamente menos pobres – e culturalmente menos indigentes. Azar de quem, como os autocratas dos auditórios, apostou no contrário.

​*Publicado originalmente na edição impressa de CartaCapital com o título "Perdeu a esportiva"

Texto replicado deste endereço: O CARCARÁ