terça-feira, 29 de abril de 2014

Tempestade em copo d'água

Os arautos do caos não param de profetizar sobre a tempestade perfeita que estaria prestes a desabar sobre o Brasil. Os números, porém, dizem outra coisa

Cláudio Puty (*)

Os arautos do caos – a oposição neoliberal e conservadora – não param de profetizar sobre a “tempestade perfeita” que estaria prestes a desabar sobre a economia brasileira. Dia e noite, eles nos bombardeiam, pela mídia, com previsões catastrofistas. Dizem que a inflação está à espreita, que as expectativas de crescimento econômico são pífias, que o desemprego está aumentando, as contas públicas estourando e a dívida crescendo.

Quem lê tanta notícia negativa tem razão para se assustar. Mas, quando se olha de perto os números reais da economia, percebe-se facilmente que estamos diante de uma situação totalmente diversa, com estabilidade, crescimento e queda do desemprego, mesmo dentro de um quadro de crise internacional persistente.

De onde se conclui que a questão fundamental é de natureza política, não econômica. O fato é que os conservadores buscam interditar o debate sobre a política econômica, classificando como “populista” qualquer desvio da ortodoxia econômica.

Vamos, então, aos números. De acordo com apresentação feita em abril passado pelo Presidente do Banco Central do Brasil ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social verifica-se uma tendência de estabilidade nos principais indicadores econômicos da economia brasileira.

Desde a crise financeira, o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, tem sido constante. Se considerarmos 100 o índice de dezembro de 2007, ele apresenta uma curva ascendente desde 2009, atingindo 117,7 no 4º trimestre de 2013. É mais ou menos a mesma curva da Coreia do Sul. Para se ter uma ideia, o México, que também ostenta um PIB crescente, atingiu o índice 110,2, os EUA, 106,3. Já na a área do Euro o índice é de 97,9.

Em relação ao desemprego, podemos verificar um verdadeiro mergulho, do pico de cerca de 13% em 2003 para 5% no final do ano passado. Segundo os parâmetros internacionais, esse índice configura praticamente uma situação de pleno emprego.

Já as reservas internacionais estão estabilizadas no patamar de US$ 378 bilhões desde 2012, enquanto que a dívida externa líquida ficou em US$ 92,7 negativos no mesmo período, ou seja, somos credores externos líquidos. Quanto aos investimentos estrangeiros diretos, desde 2011 eles estão na faixa dos US$ 66 bilhões ao ano. Podemos supor, sem medo de errar, que se o capital externo tivesse a mesma percepção que alguns setores do empresariado brasileiro, não se arriscaria a continuar investindo no Brasil.

No que diz respeito à política fiscal, a redução da dívida líquida do setor público prossegue com sua longa trajetória de queda, de 39% em 2010 para cerca de 33% do PIB em 2013. Esse resultado vem sendo obtido em razão de um superávit primário acima da média dos países do G-20 (Grupo dos 20). Enquanto em 2013 o Brasil atingiu um superávit primário de 1,9% do PIB, outros países do grupo tiveram déficit, como Japão (-8,8); Reino Unido (-4,7%); EUA (-3,6%); França (-2,0%) e México (-1,2%). Entre os que tiveram superávit primário, a Itália atingiu 2% e a Alemanha, 1,7%. 

E a inflação? Longe de estar fora de controle, a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) mostra que, do pico de quase 17% em dezembro de 2002, esse índice caiu consideravelmente e vem se mantendo estável, apesar de toda pressão, inclusive internacional, em torno de 6%. É sempre bom lembrar que Lula recebeu de FHC uma inflação de mais de 12% ao ano. É de se imaginar o tamanho escarcéu que a oposição, os neoliberais e a direita fariam se, nos governos Lula e Dilma, o IPCA chegasse perto de tal patamar. 

A imagem do caos econômico ventilada pela oposição conservadora não é a tempestade perfeita, mas uma tempestade em copo d’água – na verdade, é uma tentativa de constranger o governo federal a abandonar os mecanismos de política econômica voltados ao desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo, voltando a subordinar as ações do Estado às necessidades do capital financeiro, principalmente especulativo.

(*) Deputado federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso Nacional.



TExto original : CARTA MAIOR

segunda-feira, 28 de abril de 2014

O fundo de pensão "falido" da petrobras só está falido nos desejos da Globo



O Rodrigo Vianna disse com toda a propriedade: “se adotar a tática do “diálogo” com a mídia e os piores inimigos, o PT – em vez de um passo à frente, com vitórias em Estados importantes – pode colher uma derrota definitiva”.
A edição de O Globo de hoje é um primor do que se ganha achando que haverá critério e rigor de grande imprensa no enfrentamento que ela faz ao projeto nacional-desenvolvimentista que este governo representa.
A matéria sobre o “rombo” do fundo de pensão da Petrobras, provocado pelo crescimento dos gastos administrativos cai com um peteleco, se alguém da Petros ou do Governo quiser responder.


Eu não achei dados atuais, mas como a matéria diz que o desastre começou com Lula, acho que vale ver o que aconteceu nos cinco primeiros anos em que seu governo dirigiu a Petrobras.
Ao final do Governo Fernando Henrique as despesas administrativas somavam quase 12% da receita da Petros. No fim de 2007, esse número havia caído para 8,51%, como você vê no gráfico ao lado.
Não pude apurar o valor atual,pelas limitações de tempo que estou vivendo, por problemas familiares.
Mas obtive o valor acumulado em setembro de 2013: gastos administrativos de R$ 140,55 milhões contra receitas de 2,59 bilhões, que dá uma taxa de 5,43%.
Encontrei também este demonstrativo dos déficits e superávits da Petros ao longo de 40 anos (!!!) e nele você vai ver que o deficit de 3,22% apurado ao final de 2013 não é nada perto do que o fundo já registrou em sua história, como ocorre em qualquer fundo de aplicações financeiras que tem boa parte de seu capital ligado ao mercado de ações.


Como vaza tudo da Petrobras, não se espante em que eu reproduza “cópias controladas”. Não me foi dada por ninguém da Petros, está no site da Associação dos Engenheiros da Petrobras.
O que aconteceu é que as aplicações, que são pulverizadas em dezenas de bancos e corretoras, tiveram um mau desempenho, como pode acontecer com quem tem quase metade de seus recursos aplicados em ações, sobretudo as da Petrobras, que tiveram desempenho negativo no exercício passado.
Claro que os representantes dos beneficiários do fundo ligados ao pessoal de salários mais altos na Petrobras estão certos em reclamar, porque “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Mas é ridículo falar em déficit explosivo.
É parte, apenas da operação derrubem a Petrobras, como o Miguel mostrou ontem que aconteceu com o tal “saque” milionário de recursos da refinaria de Pasadena, que não passava de uma transferência entre contas diferentes da empresa.
Aliás, a matéria de O Globo é ridícula, para começar, porque reproduz uma reportagem feita há um mês pelo Valor.
Mais ridícula ainda é a postura da Petros e da Petrobras de não responderem de imediato.

Do BlogTIJOLAÇO
Texto replicado do BLOG DO SARAIVA

domingo, 20 de abril de 2014

Petrobras: a imprensa manipulando os números sobre Pasadena


A refinaria comprada pela Petrobras em Pasadena no Texas
Segundo uma matéria da Reuters, publicada em 11 de abril, as empresas Aramco da Arábia Saudita e a Total da França estão construindo uma refinaria de petróleo com capacidade de refino de 400 mil barris por dia. Ela custará 10 bilhões de dólares.

A empresa chinesa Sinopec está construindo uma refinaria com capacidade de processamento de 200 mil barris por dia e o custo da refinaria será de 9 bilhões de dólares.

Outra refinaria está sendo construída no Texas pela Aramco saudita em parceria com a anglo-holandesa Royal Dutch Shell, com capacidade de processamento de 350 mil barris por dia e custará 10 bilhões de reais.

Por que estou citando esses valores?

Porque a imprensa está afirmando que foi um absurdo a Petrobras ter gasto 1,2 bilhão para adquirir uma refinaria no Texas com capacidade de processamento de 100 mil barris por dia e capacidade de estocagem de 6 milhões de barris.

O pior é que esse valor nem corresponde ao custo real da refinaria. Dos U$ 1,236 bilhões pagos na compra da refinaria, U$ 340 milhões foram gastos na compra dos estoques de petróleo e derivados que a refinaria possuía, que já foram processados e vendidos inclusive. Sendo assim, o custo da compra da refinaria seria algo em torno de U$896 milhões.

Para comparar os preços das refinarias, uso um exemplo. Se uma refinaria processa 1000 barris por dia e custou U$ 1 milhão, então o custo dessa refinaria foi de U$ 1000 pela capacidade de processar cada barril por dia.

Fazendo a comparação de cada uma das refinarias citadas, chegamos aos valores abaixo:

Refinaria da Aramco com a Total: 25 mil por barril/dia
Refinaria da chinesa Sinopec: 45 mil por barril/dia
Refinaria da Aramco com a Shell: 28 mil por barril/dia
Refinaria de Pasadena: 8.9 mil por barril/dia

Para mim, esse valor pago por Pasadena não parece nem de longe algo exorbitante.

Mas aí a pergunta que não quer calar: a imprensa a todo momento está dizendo que a refinaria custou U$ 42 milhões à Astra em 2005. Como ela vendeu a metade em 2006 à Petrobras por U$ 360 milhões?

O problema é que a imprensa está ocultando muitos fatos sobre esse caso. A grande base da mentira está no valor pago pela Astra para comprar a refinaria da antiga dona, a Crown, que é algo que ainda está sendo esclarecido, mas que é muitíssimo superior aos U$ 42 milhões. A atual presidente da Petrobras Graça Foster e os ex-diretor da Área Internacional da Petrobras mencionaram cifras em torno de U$ 360 milhões. 

A imprensa repete "U$ 42 milhões" incessantemente.
Outras investigações independentes na internet, como a do jornalista Miguel do rosário do blog O Cafezinho já mencionam algo em torno de U$ 500 milhões, pois além da refinaria, a Astra também teria comprado da Crown uma "trading" (comercializadora) que teria custado algo entre U$ 200 milhões e U$ 300 milhões.

O valor real pago pela refinaria ainda está sendo estimado, mas cada vez surgem mais e mais provas de que o valor de U$ 42 milhões é puramente fictício e representa apenas o valor das ações compradas e não todo o investimento da Astra para comprar e fazê-la funcionar adequadamente, nem contempla os investimentos feitos posteriormente pela Astra na refinaria.

Uma das provas do quão fictícia é a idéia de que a refinaria tenha sido comprada por apenas U$ 42 milhões é a informação de que a Astra em 2006 comprou outra refinaria na cidade de Tacoma em Washington com capacidade de processamento de apenas 38 mil barris por dia (BPD) pela quantia de U$ 200 milhões. Querem nos fazer acreditar que uma refinaria que processava 38 mil BPD valia U$ 200 milhões, mas uma que processa 100 mil BPD só valia U$ 42 milhões.

O pior é que é muito fácil fazer a opinião pública acreditar nisso. Basta não fazer nenhuma comparação do custo da refinaria de Pasadena com outras refinarias. Basta ficar comparando o valor que a Petrobras pagou em relação a um valor fictício que supostamente a antiga dona teria pago pela refinaria. Quando isso é repetido várias vezes por dia, todos os dias, durante um mês, a informação fica consolidada na mente da maioria dos leitores/ouvintes/telespectadores/eleitores.

Repetem os U$ 42 milhões todos os dias, várias vezes por dia, até que todos decorem os valores.
A refinaria deu prejuízo de U$ 536 milhões

Segundo a atual presidente da Petrobras Graça Foster, em depoimento feito no senado, a refinaria de Pasadena hoje representa claramente um mal negócio, porque teria ao longo dos anos resultado num prejuízo de U$ 536 milhões. Essa declaração serviu de manchete para toda a imprensa, que adorou ter em mãos o número do "grande prejuízo" causado pelo governo.

Só que a própria Graça Foster havia afirmado no mesmo dia que em janeiro e fevereiro de 2014, a refinaria teve um ótimo resultado, obtendo na soma dos dois meses um lucro de U$ 54 milhões, ou seja, 10% do prejuízo citado por graça Foster em apenas 2 meses.

Poxa, se em apenas 2 meses é possível recuperar 10% do prejuízo, isso significa que em menos de 2 anos todo o prejuízo já poderia ser recuperado. Mesmo que o resultado não fosse tão bom e levasse 3 ou 4 anos, ainda sim seria algo bom. Uma refinaria de petróleo não é um investimento de um ano ou dois. Segundo o Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, esse é um investimento de 50 anos. 

Se daqui há 4 anos, ou seja, 12 anos após a compra, o investimento já tiver sido pago, a refinaria daí em diante dará bons lucros. Então não vejo razão para a Graça Foster dizer que claramente foi um mau negócio.

Acredito que esse episódio de Pasadena servirá como exemplo por muitos anos aos cursos de Relações Públicas sobre como uma Assessoria de imprensa não deve agir. Reitero aqui o que já disse antes. Acredito em duas possibilidades: ou a assessoria de imprensa da Dilma e da Petrobras são incrivelmente ruins ou estão aconselhando a Dilma e a Graça Foster para que se ferrem completamente.

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Caso tenha gostado deste tema, seguem outros posts deste blog sobre o mesmo assunto:
* Como calcular o prejuízo real da Petrobras na compra da refinaria de Pasadena? (24/03/2014)

* Ex-presidente da Petrobras grava a própria entrevista com a Globo por receio de ser manipulada (25/03/2014)

* A CPI da Petrobras servirá apenas como palanque eleitoral (27/03/2014)

* A Petrobrás em 5 anos lucrou 142 bilhões, mas dizem que está quebrada (31/03/2014)

* O depoimento de Nestor Cerveró e as trapalhadas da Dilma (17/04/2014)

TEXTO ORIGINAL NESTE ENDEREÇO:
http://fabiano-amorim.blogspot.com.br/2014/04/petrobras-imprensa-so-manipulando-os.html

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Mensaleiros serão julgados novamente

Todo condenado, no campo do direito criminal, tem direito a dois julgamentos, sem nenhuma restrição. O STF vem deploravelmente ignorando esse direito.

LUIZ FLÁVIO

A ciência médica tem suas verdades: com 40 graus, você está com febre. A ciência jurídica tem suas regras. Elas valem para todos (petistas, peessedebistas, esquerdistas, direitistas , reacionários etc.). Uma delas é a seguinte:

Todo condenado, no campo do direito criminal, tem direito a dois julgamentos, sem nenhuma restrição. Isso significa a integral revisão dos fatos analisados, das provas produzidas assim como do direito aplicado. Tecnicamente se chama “duplo grau de jurisdição”, que está previsto no art. 8º, II, “h”, da Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor no Brasil desde 1992. Ela é de aplicação obrigatória pelos juízes brasileiros, por força do art. 5º, § 2º, da Constituição federal. 

A Suprema Corte do nosso país (STF) vem deploravelmente ignorando esse direito e reiteradamente violando-o, todas as vezes que condena alguém diretamente (no último ano o STF mandou 6 parlamentares para a cadeia) e já proclama o trânsito em julgado, sem dar ao réu o direito ao duplo grau de jurisdição (segundo julgamento). É um vício procedimental inaceitável e inconvencional (porque viola o direito interamericano). O STF, no entanto, também nesse tema, ignora completamente o direito internacional, que foi aceito pelo Brasil espontaneamente.

O direito a dois julgamentos existe como garantia mínima de todas as pessoas processadas criminalmente, dentro do âmbito espacial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, da OEA. A jurisprudência da Corte Interamericana, admitida pelo Brasil em 1998, é pacífica nesse sentido (especialmente a partir do caso Barreto Leiva contra a Venezuela, julgado em novembro de 2009). A condenação criminal restringe direitos muito relevantes das pessoas (liberdade, patrimônio etc.) e pode conter erros de procedimento ou de interpretação ou ainda injustiças.

Ninguém está isento de errar (errare humanum est). Trata-se, assim, de garantia civilizatória inquestionável, que o STF, especialmente seu atual presidente, teima, equivocadamente, em não aceitar. Não importa quem é o réu (petista, peessedebista etc.). Isso não tem relevância para o direito ao duplo grau de jurisdição. 

Se alguém tinha alguma dúvida sobre o direito citado, basta ler a nova sentença da Corte Interamericana proferida no dia 30/1/14 (caso Liakat Ali Alibux contra Suriname, que já corrigiu seu direito interno em 2007, depois do julgamento viciado de Alibux). Mesmo quem é julgado pela máxima Corte do país tem direito ao duplo grau. Não importa se é uma autoridade com foro especial (deputado, senador etc.) ou algum outro réu que é processado juntamente com ela. Não se pode confundir o sistema europeu com o interamericano. 

Todo país deve adequar sua legislação interna para abrigar o duplo julgamento, antes que a sentença transite em julgado. Os países da OEA estão revisando seus ordenamentos e a solução mais frequente tem sido prever o primeiro julgamento por uma Turma e a revisão pelo Pleno (isso atende integralmente a jurisprudência da Corte citada). A maioria dos países já está agindo dessa maneira. 

É dever moral e jurídico de todos os países cumprirem os tratados internacionais que firmam (pacta sunt servanda). Portanto, são deploráveis e extremamente perniciosas para o avanço dos direitos humanos e da cultura civilizatória as declarações de alguns ministros ou ex-ministros (Barbosa, Peluzo, Jobim, Marco Aurélio) de que as decisões internacionais não contariam com eficácia jurídica no âmbito do direito interno ou que os réus condenados pelo Supremo não teriam direito de postular o duplo grau de jurisdição. 

Com formação jurídica vinda do século XIX (sistema jurídico da legalidade), eles ignoram o direito internacional vigente assim como o fato de que o Brasil vem cumprindo, com maior ou menor dificuldade, todas as decisões da Comissão ou da Corte Interamericana (veja os casos Maria da Penha e Ximenez Lopes, por exemplo). O mais preocupante, do ponto de vista estritamente jurídico, é saber que todos os réus condenados pelo STF estão cumprindo suas penas mesmo antes do trânsito em julgado final (ou seja: mesmo antes do segundo julgamento necessário, quando o réu recorra). O STF está afirmando a coisa julgada onde não deveria (onde não existe coisa julgada, por falta de cumprimento das regras e da jurisprudência internacionais).

LUIZ FLÁVIO GOMES, 56, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

Texto original : CARTA MAIOR

sábado, 12 de abril de 2014

Marco Civil é a vitória de uma concepção libertária da Internet

Não faz justiça ao Marco Civil apontá-lo como uma vitória do governo sobre rebeldes. O projeto aprovado é muito mais do que isso.

Paulo Teixeira, deputado federal (PT-SP)

A dimensão do Marco Civil da Internet, aprovado pela Câmara na semana passada e na agenda de votação do Senado, foi obscurecida pelas duas semanas de intensa queda-de-braço entre o governo e parte de sua base parlamentar.

Não faz justiça ao Marco Civil apontá-lo como a razão do conflito – cujas motivações são meramente eleitorais – ou simplesmente como uma vitória do governo sobre rebeldes. O projeto aprovado é muito mais do que isso: é a vitória de uma concepção libertária da Internet que desponta como referência mundial de regulação da rede, e uma proposta que derrotou a ameaça obscurantista que vagou pelos corredores do Congresso por quase 15 anos. Dizer que o projeto aprovado limita a liberdade na rede, como o líder de um partido de oposição chegou a argumentar no encaminhamento da matéria para negar os oito votos de seu partido à lei, é desinformação ou má-fé.

O texto aprovado na semana passada pela Câmara foi o produto de uma grande articulação nacional de parlamentares, movimentos sociais e figuras envolvidas na defesa de uma legislação que garantisse a neutralidade da rede (não discriminação do tráfico de conteúdos) e direito à privacidade do usuário e inviolabilidade e sigilo de suas informações, e que passou a contar com o apoio dos governos progressistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

O movimento final, e vitorioso, foi uma reação à aprovação pelo Senado, em 2008, de substituto do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a projeto apresentado em 1999, na Câmara. O relatório do senador criminalizava praticamente todo o uso da internet, inclusive uma banal troca de e-mails. A proposta do tucano abrigava reivindicações de bancos e empresas de cartões de crédito e o lobby de empresas de certificação digital – e o senador mineiro levou as exigências de segurança a um extremo tal que o próprio uso da rede estaria inviabilizado, se sua lei fosse aprovada. O relatório Azeredo era uma mera definição de crimes, que passava ao largo dos direitos de usuários e ignorava o artigo 5º da Constituição – aquele que define com clareza, desde a Constituinte de 1988, o direito do cidadão à informação, à privacidade e à igualdade.

Na Câmara, eu e um grupo de deputados do PT, do PCdoB, do PSB e do PSOL, bloqueamos a votação do projeto aprovado no Senado e nos unimos a setores da sociedade que reivindicavam um Marco Civil da Internet, em contraposição a uma lei de tipificação de crimes digitais. Para enterrar o AI-5 digital de Azeredo, adotamos a estratégia de obstruir a votação do projeto na Câmara e, simultaneamente, construir uma alternativa ao texto que vinha do Senado: uma lei equilibrada que punisse apenas os atos praticados por criminosos na internet. Dessa articulação, resultou um projeto para punir crimes da internet de minha autoria, que se tornou uma lei perfeitamente compatível com o Marco Civil, cujos termos começavam a ser construídos pela sociedade civil.

Em 2009, o presidente Lula acatou a reivindicação dos movimentos sociais, feitas no Fórum Internacional de Software Livre, e orientou oficialmente sua bancada na Câmara a barrar o projeto Azeredo e iniciar um processo de debate com a sociedade para definição de um texto que fosse, de fato, um marco regulatório. Por meio de ferramentas digitais, o Ministério da Justiça coordenou uma ampla consulta pública sobre o tema. Em 2011, quando eu era líder do PT na Câmara, o governo enviou o projeto do Marco Civil para a Câmara. Desde então, o deputado Alessando Molon (PT-RJ) conduziu um trabalho de relator que consistiu em mediar entendimentos para produzir um texto final que fosse o mais inclusivo e democrático possível.

Este é um trabalho que se estendeu ao longo dos últimos cinco anos. Nesse período, o Brasil caminhou perigosamente de uma Lei de Crimes da Internet, que praticamente sepultaria o livre acesso dos usuários à rede, para uma Constituição da Internet, que garantirá os direitos e definirá deveres do usuário. A proposta de Azeredo, aprovada na madrugada do dia 10 de julho de 2008 pelo Senado, tornava crime obter ou transferir dado ou informação disponível em redes de informação sem autorização da fonte, obrigava a identificação dos usuários que trafegassem por serviços brasileiros e até tornava crime a propagação de vírus, mesmo sem intenção dolosa. O projeto relatado por Molon, e aprovado agora na Câmara, tem como ponto fundamental a neutralidade da rede, o que impede, por exemplo, que provedores de acesso discriminem usuários mais pobres, impedindo o acesso a conteúdos que os mais ricos tenham acesso.

Essa virada democrática na regulamentação da internet brasileira dará também uma enorme contribuição ao debate internacional sobre o tema. Quando relator da matéria, o senador Eduardo Azeredo reivindicava que o seu projeto fosse o modelo de regulação da web dos países vizinhos. Hoje, a referência será uma lei democrática.

Dias antes da votação do Marco Regulatório pela Câmara, na semana passada, o fundador da internet mundial, Tim Bernes Lee, disse que Marco Civil da Internet brasileiro, se aprovado, seria "o melhor presente possível para os brasileiros e para os usuários da web em geral". "O relatório reflete a internet como deveria ser: uma rede aberta, neutra e descentralizada, onde os usuários são o motor da colaboração e inovação". Além disso, salientou, "a lei garante direitos humanos como privacidade, cidadania e a presença da diversidade e do propósito social da web".

O legado da experiência participativa para a construção do Marco Regulatório da Internet, e a própria lei dela resultante, será de grande contribuição para o Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Internet, que ocorrerá nos dias 23 e 24 de abril, no Rio. O encontro ocorrerá no Brasil por solicitação da organização não-governamental ICANN, órgão internacional responsável por estabelecer regras de uso da internet mundial, e em função das posições firmes assumidas pela presidenta Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, contra as práticas de violação de informações de governos e cidadãos pelos Estados Unidos.

O Brasil passa a ser um protagonista no debate sobre a web internacional, graças ao fato de ter enfrentado os problemas impostos pelas novas tecnologias aos governos e aos cidadãos, sem que tenha se deixado seduzir por legislações restritivas de liberdade.

Texto original: CARTA MAIOR

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Perseguição a Dirceu garante a Barbosa últimos dias de fama

Dirceu foi absolvido do crime de formação de quadrilha, mas sobra a obsessão: continuar a perseguir o inimigo número 1 da grande imprensa.

Lincoln Secco, para o Viomundo

Não basta julgar sem provas, é preciso condenar. Não basta o regime semiaberto, ao qual o apenado tem direito certo, é preciso protelar. Agora, um juiz de Brasília encaminhou ao presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, o pedido do Ministério Público do DF para investigar um suposto telefonema recebido por José Dirceu no presídio.

A razão nada oculta disso é bem sabida. José Dirceu foi absolvido do crime de formação de quadrilha e isto derruba, por extensão, a tese do domínio do fato. Aquela mesma que dizia que mesmo não sabendo “ele tinha que saber”. Uma revisão criminal da condenação por corrupção ativa deveria ser o próximo ato da encenação iniciada em 2005.

Judas
Por outro lado, Barbosa perdeu a serventia para os que lhe deitam os holofotes e lhe acalentaram o sonho da presidência da República. As candidaturas da direita já foram definidas e ninguém mais precisa da partidarização explícita do STF. Até porque o julgamento de Azeredo um dia poderia chegar lá.

Abandonado pelos amigos, Barbosa sente-se numa via crúcis, vendido por Judas. Diante da perda de prestígio, ofereceram-lhe uma vaga na Câmara ou (quem sabe?) no senado em incerta votação. É pouco para um “Cristo” que nasceu na manjedoura. A reação previsível é insurgir-se contra o que ele vê como abrandamento das condenações da ação penal 470. Ataca os colegas de toga, critica a imprensa, e ninguém mais o leva a sério. Afinal, ele mesmo já foi visto por Lula no papel de Judas.

Sobra a obsessão: perseguir o inimigo número 1 da grande imprensa, José Dirceu. Só a continuidade da perseguição lhe garante os derradeiros dias de fama. É simples assim.

E o PT?
Para a esquerda em geral, resta saber que a teoria do domínio do fato pode se tornar um perigo para a Democracia. Daí porque é importante derrubá-la numa revisão criminal do caso de Dirceu. Que antigos companheiros (embora não todos) prefiram abandonar Dirceu é compreensível. Judas fez o mesmo por bem menos: 30 moedas.

Os que estão no poder acreditam-se protegidos pelas amizades de ocasião e a volta do líder significaria um incômodo rearranjo de forças internas no PT. Mas também não poupam energias em inventar uma nova lei “contra o terrorismo”, cujo melhor efeito será o de um tiro no pé. Judas, como sabemos, agora é Ministro da Justiça dos homens.

O sábado de Aleluia
Mas os que estão embaixo já deveriam ter aprendido. Durante um debate na USP no dia 31 de março (corretamente chamado “Às vésperas do golpe”), entre as muitas arbitrariedades da repressão, os representantes dos Advogados Ativistas denunciaram que, recentemente, em Porto Alegre, ocorreu o indiciamento de seis militantes que participaram de protestos no ano passado. O mais surpreendente é que, na impossibilidade de provar o vínculo dos acusados com atos de depredação, o inquérito buscou sustentação na tese do “domínio do fato”…

Ao fim do citado debate, os jovens organizadores saíram ao pátio, chutaram e queimaram um boneco representando um General da Ditadura.

Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.

Texto original: CARTA MAIOR

sábado, 5 de abril de 2014

O dinheiro vai às urnas

Episódios como o do avião que interligou André Vargas (PT-PR) ao doleiro Alberto Youssef, servem desastradamente a uma especialidade da mídia: pisar no PT.

por: Saul Leblon

Aécio: ‘Eu conversava com o Armínio e ele me perguntou: ‘Mas é para fazer tudo o que precisa ser feito? No primeiro ano?’. E eu disse: ‘Se der, no primeiro dia’.

O relato oferecido pelo presidenciável Aécio Neves às papilas empresariais reunidas num regabofe na casa do animador de eventos, João Dória Jr, (conforme Mônica Bergamo; Folha 02/04) é uma cena ilustrativa do flerte estrutural entre o dinheiro grosso e a democracia no sistema político brasileiro.

O episódio evidencia uma etapa de pré-enquadramento de governantes , antes de a maioria da população depositar seu voto nas urnas.

O candidato busca apoio e numerário junto à plutocracia; os detentores da riqueza exigem compromissos e submissão.

Desse labirinto hostil aos interesses da maioria da sociedade tampouco escapam as candidaturas progressistas --em geral, porém, recepcionadas em um ambiente de maior formalidade e fria gentileza.

O dado novo nesse tabuleiro enrijecido pela proximidade do pleito veio de onde menos se esperava.

Esta semana, o STF formou maioria (seis votos) para proibir o financiamento empresarial das campanhas (leia a análise de Antonio Lassance; nesta pág).

Gilmar Mendes, sempre ele, travou a porta com o pé direito ao pedir vista do processo. E Fux adicionou a sua relatoria –impecável, como uma ponte de sobrevivência depois do mergulho no lamaçal da AP 470-- um prazo capaz de jogar a regra para 2018.

A novidade, no entanto, tem peso e apelo para arguir condutas e evocar novas práticas partidárias, antes mesmo de ser oficializada.

Não é pequena a mudança em curso.

O clamor por maior aderência entre as urnas e as práticas de governo tem agora o respaldo de um tribunal que parece disposto a engatar nesse tema o resgate da credibilidade afetada por excrescências ali cometidas em nome do Estado de Direito -- e cada vez mais ofensivas ao mundo jurídico, sobretudo depois do voto do ministro Barroso, no caso do mensalão do PSDB. 

Do lado oposto está a soberba dos interesses plutocráticos.

Ela pode ser resumida em uma questão-síntese lançada a Aécio na noite da última 3ª feira: ‘como atrair os que votam com os estômagos’.

Aécio estava ali para se credenciar na categoria dos ‘matadores’.

Gente que faz. A golpes de tacape, se preciso for, para relevar as urgências ‘ dos estômagos’ e abrir espaço aos apetites do dinheiro.

‘Se der, no primeiro dia’, alardeia o tucano.

Ao seu lado, Armínio Fraga não era um figurante.

Armínio é a personificação da presença do dinheiro na política que o STF quer evitar.

É o ‘matador ’ evocado para injetar credibilidade onde alguns podem enxergar gabolice.

Para um conservadorismo hesitante diante da fraqueza de seus candidatos , ele é o coringa: qualquer um que eventualmente pudesse vencer Dilma em outubro teria o seu nome como primeira opção para dirigir a instituição central aos interesses do dinheiro: o Banco Central.

O segredo da sedução tem história.

O que Armínio fez ao assumir o BC em março de 1999 ainda soa como música aos ouvidos da plutocracia.

O caos econômico vivia então seus dias de gala.

O cenário desautoriza o argumento, segundo o qual, o ciclo do PSDB terminou aos farrapos em 2002, por culpa do ‘risco Lula’, precificado pelos mercados.

Em 1999 a referencia claramente era outra e o desastre em curso muito maior.

Fernando Henrique fora reeleito há cerca de três meses para um novo período de quatro anos.

Os capitais em vez de afluir fugiam do país deixando um rastro de saque pelo caminho.

As expectativas de inflação oscilavam de 20% a 50% ao ano.

As previsões para o PIB apontavam para uma queda de 4%.

A fuga de dólares pontuava cada operação na economia.

Em uma única semana, no início de janeiro --azedada pela moratória externa de Minas Gerais, sim, isso acontecia no reinado tucano-- o BC gastaria mais de US$ 6 bi na inútil tentativa de segurar a paridade.

De um lado, as reservas sangravam.

De outro, o Tesouro não conseguia vender títulos a rentistas que tratavam os papéis como lixo financeiro só digerível com guarnição extra de juros.

As projeções apontavam para uma Selic de 39,75% ao ano.

A avalanche inflacionária, cambial e fiscal derrubaria dois presidentes do BC antes de Armínio chegar ao posto, em março.

O que fez ao chegar, grosso modo, foi oficializar os parâmetros instituídos pelo dinheiro no campo de guerra.

A taxa de juro foi elevada de 25% para 45%.

O governo acionou uma amarga correção de tarifas. E o BC adotou o regime de metas de inflação: a escalada dos juros tornou-se a resposta oficial à indisciplina dos preços.

Na verdade, é um pouco mais sofisticado que isso.

Armínio deu aos detentores da riqueza, que acabavam de perder a ilusória âncora cambial, uma salvaguarda potente de juros para preservar o valor real da liquidez.

Protegido o dinheiro grosso, a a maxidesvalorização correu solta escalpelando o poder de compra dos salários, sem aviltar a riqueza rentista.

Foi assim que se consolidou o Real.

E foi assim que Armínio se consagrou como o centurião do mercado.

Algo parecido espera-se dele agora.

Ao tarifaço no lombo dos assalariados, insinuado por formuladores tucanos, corresponderiam juros robustos para salvaguardar os endinheirados da inflação decorrente.

O cardápio incluiria ainda uma volta extra no torniquete fiscal --‘’um superávit de uns 3% do PIB”-- para garantir o serviço da dívida, sem o que de nada adiantaria elevar os juros.

Há outros ingredientes no pacote tucano, como a abertura ampla às importações, com impactos sabidos no emprego e nos salários.

Mas basta a versão resumida para se compreender a relutância do próprio Armínio diante das resistências que ensejará.

A crise mundial mostrou que o tripé conservador --inflação na meta; câmbio livre; arrocho para garantir os juros dos rentistas--- não entrega necessariamente a estabilidade requerida para o crescimento, configurando-se muito mais uma armadura de defesa dos interesses plutocráticos.

No fundo, a instabilidade é um traço inerente do sistema que encoraja seus ditos agentes racionais a alçarem voos especulativos cada vez mais cegos, mais altos e inseguros.

Deixados à própria sorte, como advogam os ‘matadores’ , os mercados vão sempre operar em condições de baixa demanda efetiva e elevado nível de desemprego. Sem prejuízo, no entanto, da valorização rentista, assegurada por juros associados à anemia da receita fiscal em uma economia minguante .

O que se chama de recuperação mundial nesse momento encerra doses elevadas desse paradoxo, em que a deriva da sociedade não afeta a bonança rentista.
Apenas alimenta novas bolhas no horizonte...

É o compromisso com essa receita que o dinheiro grosso busca firmar nos convescotes e tertúlias eleitorais, a exemplo do que participou Aécio na última 3ª feira.

A mesma subordinação é cobrada do governo Dilma, com outros instrumentos.

A retração dos investimentos, a especulação na Bolsa e a manipulação do noticiário econômico pelo jogral midiático incluem-se nesse arsenal.

O conjunto forma um poder normativo capaz de influenciar campanhas, desautorizar programas, desqualificar candidaturas e partidos e vetar, por antecipação, a vontade majoritária nas urnas.

O discernimento popular resistiu a esse rolo compressor em 2002, 2006 e 2010.

O momento é diferente. 

A transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo país envolve desafios e decisões que requerem um debate amplo e desassombrado em torno de metas, prazos, concessões e sacrifícios para repactuar o passo seguinte da história brasileira.

Esse mutirão democrático é incompatível com a persistência de interesses que se avocam o poder de interditar o discernimento social. 

O compromisso do STF com a abolição desses grilhões no financiamento de campanha pode catalisar um processo de resistência democrática inédito.

Mas para isso é necessário que os principais interessados, os partidos progressistas, rompam antes com esses grilhões dentro de suas próprias fileiras.

Episódios como o do avião que interligou a biografia política do vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), à ficha- corrida do doleiro Alberto Youssef, servem desastradamente à lógica oposta.

O jornalismo conservador tem aí um argumento irresistível para exercer a sua especialidade: pisar, bem pisado, no PT.

O mandato progressista pertence ao eleitor e ao partido.

Não pode ser desmoralizado de forma recorrente pelo intercurso entre representantes ‘imprudentes’, aviões e outros mimos descabidos com os quais o dinheiro ceva sua hegemonia sobre as prioridades do país e a coerência histórica dos partidos.

Antes mesmo que o STF torne ilegal práticas e vícios assentados no atual sistema de financiamento de campanha, o PT deveria expressar, normativamente, um sentimento que está engasgado no fundo do peito de milhares de seus quadros e militantes: basta.

Texto replicado: CARTA MAIOR

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Bolsa-ditadura do senador José Agripino Maia

Atual presidente do DEM recebe pensão desde 1986; de lá para cá, montante chega a mais de R$ 5 milhões

por Helena Sthephanowitz, no Rede Brasil Atual

O cidadão brasileiro comum trabalha durante 35 anos, pelo menos, e contribui todo os meses para a Previdência Social a fim de garantir uma aposentadoria de, no máximo, R$ 3,2 mil. Enquanto isso, alguns políticos trabalham menos tempo e, sem contribuição previdenciária, recebem pensão vitalícia. Essas aposentadorias, equivalentes ao salário de um desembargador, custam milhões por ano aos cofres públicos.

Esse é o caso de Lavoisier Maia Sobrinho, que, ao tomar posse como governador do Rio Grande do Norte, em 1979, nomeou o sobrinho, José Agripino Maia, como prefeito de Natal, capital potiguar. Agripino, hoje, é senador pelo DEM e presidente do partido.

O tio abandonou a vida política, mas os dois são beneficiários de pensões vitalícias pagas pelo estado, como ex-governadores. Isso, com base na Constituição Estadual de 1974, editada no período da ditadura e revogada.

A notícia foi divulgada sexta-feira (28) na página do Ministério Público do Rio Grande do Norte, na internet.Em março de 2011, a Promotoria de Justiça e Defesa do Patrimônio Público de Natal instaurou o inquérito civil nº 012/11 para averiguar a legalidade e compatibilidade – com a Constituição de 1988 – de aposentadorias e pensões especiais recebidas por ex-governadores e dependentes. No último dia 24, o MP-RN impetrou ação civil pública para obrigar o governo estadual a sustar o pagamento de pensão vitalícia.

O senador Agripino Maia e Lavoisier Maia Sobrinho recebem, cada um, R$ 11 mil de aposentadoria por terem sido governadores por apenas quatro anos na época da ditadura. José Agripino foi eleito governador em 1982 pelo voto direto, mas as eleições ainda eram cheias de vícios e fraudes, principalmente onde reinavam as oligarquias. O governo federal ainda era gerido pelo general João Baptista Figueiredo.

O atual presidente do DEM recebe a pensão desde 15 de maio de 1986. Lavoisier Maia recebe o benefício desde 16 de junho de 1986. Ele foi governador de 1979/1983 e deixou a política.

Já Agripino ganha, também, salário no Congresso, assim como todas as regalias inerentes ao cargo de senador – auxílio-moradia, carro oficial, passagens aéreas mensais e verba indenizatória.

O valor total da “bolsa-ditadura” de José Agripino Maia, pago desde que ele se “aposentou” do cargo de governador, chega a R$ 5,080 milhões com base no provento atual (computando o 13º).

Além de José Agripino Maia e o tio, também recebe a bolsa-ditadura o senador Marco Maciel (DEM/PE), ex-governador do estado de Pernambuco (1979-1982) eleito indiretamente, sem voto popular.

Agora, o ex-prefeito indireto de Natal, Agripino Maia – nomeado pela ditadura e que agora posa de “ético”, “defensor da coisa pública” – ao lado do candidato à presidência Aécio Neves (PSDB), planejam uma CPI para desgastar o governo. Bem, mas esse é assunto para um outro post...

Texto replicado : O CARCARÁ

quarta-feira, 2 de abril de 2014

1964 foi golpe dos EUA contra o Brasil


Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

Quando comecei a frequentar assembleias estudantis, ali pelos anos 80, ainda era comum escutar que havia policiais infiltrados anotando tudo, fazendo a “ficha” de quem se manifestava. A turma mais “pós-moderna” achava que era tudo “paranóia”. Do mesmo jeito, muita gente dizia que atribuir aos EUA participação decisiva no golpe de 64 era pura “invenção”, ou “paranóia” esquerdista. E não era. Nunca foi…

Já se sabe, há alguns anos, que os Estados Unidos - com John Kennedy e depois Lyndon Johnson – conspiraram contra o Brasil em 1964. A Operação “Brother Sam” garantia o envio de aviões, de navios de guerra e até a entrada de tropas dos Estados Unidos para dar apoio aos golpistas - se assim fosse necessário.

Reportagem de Luiz Carlos Azenha, no Jornal da Record, trouxe mais detalhes sobre o apoio dos Estados Unidos ao golpe (clique aqui para ver). Assim como apresentou novas evidências de que o comandante do II Exército (São Paulo), Amaury Kruel, recebeu malas de dólares para trair Jango e aderir ao golpe.

O que isso tudo tem a ver com a foto do presidente deposto João Goulart, que permanecerá na capa deste blog durante todo o dia de hoje? Ora, Jango durante muito tempo foi criticado pela esquerda e a direita. Os conservadores diziam que ele era um “comunista” propenso a transformar o Brasil “numa nova Cuba”. Besteira grossa, sem fundamento. Jango era um líder trabalhista, queria reformas – mas dentro da ordem democrática.

Já a esquerda acusava Jango de fraqueza, por não ter resistido ao golpe. Hoje se sabe que ele tinha conhecimento das movimentações das tropas dos EUA. Jango temia que, se resistisse de armas na mão, daria aos gringos a desculpa para entrarem no Brasil – dividindo nosso território. Aliás, preocupação semelhante à de Getúlio Vargas – que em 1954 também chegou a falar que temia ver o Brasil dividido (como acontecera com a Coréia).

Para os Estados Unidos, seria ótimo dividir o Brasil – literalmente. Apesar de todos nossos problemas, somos um incômodo – um país grande, bem relacionado com nossos vizinhos, pronto a desafiar (ainda que de forma discreta e pontual) o domínio dos EUA na América do Sul.

A queda de Jango foi (também) um capítulo dessa disputa, dessa longa batalha da América Latina por independência e autonomia.

De forma brilhante, o professor Moniz Bandeira mostra como se deu esse longo embate: os detalhes estão em seu “De Marti a Fidel” – livro sobre a Revolução Cubana. Vargas cercado pela direita (e levado ao suicídio) em 1954, Arbenz derrubado na Guatemala no mesmo ano, tentativa norte-americana de invadir Cuba (Baía dos Porcos) e derrubar Fidel. São todos capítulos da mesma guerra. Em 1964, Jango e a Democracia brasileira foram golpeados em meio a essa conjuntura. Que depois vitimaria Argentina, Uruguai e o Chile de Allende.

Estampar a foto de Jango, no dia em que o golpe nefasto completa 50 anos, é um gesto não só de defesa da Democracia, mas de defesa da independência e da soberania nacional.

Jango – assim como Vargas dos anos 50 – simboliza a defesa do interesse nacional. Estou entre aqueles que não aceitam o termo “populismo” como forma de definir a linha política que unia Vargas-Jango-Brizola, e que de alguma forma chegou até Lula-Dilma. Não. Nada de “populismo”. Trata-se do trabalhismo brasileiro. Com seus defeitos e imperfeições.

Não aceito também a tese do “colapso do populismo” – expressão utilizada em certos circuitos universitários paulistas, para definir o que houve em 1964. Prédios entram em colapso. Falar em “colapso do populismo” é desconhecer (ou minimizar) o golpismo que uniu conservadores brasileiros a interesses dos Estados Unidos, em meio à Guerra Fria.

Jango foi derrubado. O golpismo derrubou um governo legítimo e popular. Foi necessário um golpe para derrubar um presidente que – se pudesse ser candidato em 1965 – seria reeleito (como indicavam pesquisas do IBOPE feitas na época, e só agora divulgadas).

Nesse primeiro de abril de 2014, não aceitemos a mentira dos revisionistas, nem o cinismo de editoriais/artigos da imprensa velhaca, que falam do golpe como algo “inevitável” ou como uma “porrada necessária” (na expressão infeliz de um ex-cineasta que aderiu ao revisionismo da Globo). Não!

Precisamos esculhambar revisionistas e escrachar torturadores – como a rapaziada fez com Brilhante Ustra em Brasília. Precisamos, sim, homenagear os mortos na luta contra a ditadura (muitos deles, sob tortura) e cobrar informações sobre os desaparecidos!

Mas devemos lembrar também o que veio antes, lembrar o ato fundador da barbárie: em primeiro de abril de 1964, Jango foi derrubado pela direita lacerdista, com apoio de amplos setores da Igreja Católica e da mídia velhaca (Marinhos, Mesquitas, Frias, entre outros), e sob ameaça concreta de invasão de nosso território pelas tropas dos Estados Unidos.

1964 foi (também) um golpe dos Estados Unidos contra o Brasil. Lembrar Jango é dizer não à ditadura, não à intervenção estrangeira. Sim à Democracia, sim à luta pela independência nacional.

Viva Jango, nosso presidente!

Texto original em BLOG DO MIRO